A preocupação em Minas Gerais com tragédias causadas pela ruptura de barragens vai além dos desastres causados pela Samarco, em Mariana, no ano de 2015, e pela Vale, no município de Brumadinho, em janeiro deste ano. Minas Gerais possui mais de 400 barragens ligadas ao setor minerário, de acordo com dados da Fundação Estadual de Meio Ambiente (FEAM), sendo mais de 300 destas na região do Quadrilátero Ferrífero, e são motivo de angústia pelo eventual impacto na oferta de água à população, além dos possíveis danos irreparáveis ao meio ambiente, em caso de rupturas.

Pelo menos três barragens com alto risco de rompimento têm como rota dos rejeitos a captação de água mais importante para Belo Horizonte, na região do Alto Rio das Velhas (segundo inventário de 2019 da Agência Nacional de Mineração). De acordo com o geólogo e pesquisador do Centro de Desenvolvimento da Tecnologia Nuclear (CDTN) e membro do Movimento pela Preservação da Serra do Gandarela, Paulo Rodrigues, todas as barragens de rejeitos de mineração que se encontram a montante da captação de água de Bela Fama, em Honório Bicalho, representam grave risco para o abastecimento de água da capital mineira e inúmeros municípios vizinhos.

Importante ressaltar que o eventual rompimento de alguma barragem na região do Alto Rio das Velhas comprometerá a qualidade da água de toda a bacia. O problema não se restringe apenas à região mencionada. Como exemplo podemos citar Sete Lagoas, na região Central, que tem sua captação no município de Funilândia, a jusante de Bela Fama, para o abastecimento de cerca de 90 mil pessoas.

No entanto, três delas, consideradas de grande perigo, estão localizadas em Rio Acima, a 22 km de Belo Horizonte. As barragens 1 e 2 da Mina Engenho, da Mundo Novo Mineração, aparecem na lista da Agência Nacional de Mineração (ANM) com risco alto e elevado dano potencial. Com rejeitos de exploração de ouro, elas são da empresa Mundo Novo Mineração, que encerrou as atividades em 2011 e abandonou as estruturas. Atualmente, as barragens estão sob responsabilidade do governo de Minas. A terceira é a bacia de rejeito da Minar Mineração Aredes Ltda com 396 mil metros cúbicos e também com alto risco e dano potencial associado.


Mundo Mineração: a maior ameaça ao Rio das Velhas e ao abastecimento público da RMBH


Entre os elementos presentes nessas duas barragens de Rio Acima estão o cianeto, substância altamente tóxica usada na extração de ouro, e o arsênio. As barragens da Mundo Novo Mineração ficam a 2 km do Rio das Velhas que, além de abastecer dois terços da população da capital mineira, é um dos afluentes do Rio São Francisco. O maior risco caso haja um rompimento é de contaminação química.

O geólogo e pesquisador, Paulo Rodrigues, explica que depois de extrair ouro, a mineradora foi embora e deixou tudo sem qualquer cuidado ambiental. “A cava e as duas bacias de rejeito se devem à extração de ouro presente na rocha. Uma jazida, que depois que começa a ser explorada a gente chama de mina. Ela existe por causa de uma anomalia geológica. Quer dizer, não é uma coisa normal, ela tem uma concentração anômala de determinado elemento químico, que é de interesse econômico”, esclarece.

O que sobrou do processo de extração foi parar em um enorme reservatório. É uma grande quantidade de rejeitos, o subproduto da lavagem que é feita no minério para tirar o ouro. No local, há duas represas – uma mais alta e outra logo mais abaixo. Mas a barragem superior já apresenta transbordamento em época de chuvas intensas. “Eu acho que é um típico cenário de negligência e crime ambiental. Uma estrutura que está se fragilizando, logo acima de uma captação que abastece cerca de 2,4 milhões de pessoas e que tem uma composição com elementos tão tóxicos”, diz Paulo Rodrigues.

Conforme o inventário de barragens da FEAM, a barragem superior (sistema de captação de rejeito), a maior, armazena 120 mil metros cúbicos. No local, o rejeito é bem claro e aparenta estar superficialmente seco em época sem chuva. A outra bacia de rejeito, chamada “Barragem II”, armazena 10 mil metros cúbicos, a superfície dela é líquida, como se fosse uma represa. Em ambas consta no inventário, barragem tem “estabilidade garantida pelo auditor”.

O Sistema Estadual de Meio Ambiente de Minas Gerais (SISEMA) informou que em 2017 foi realizada a licitação para descomissionamento das barragens e que o projeto já foi aprovado e encaminhado à Companhia de Abastecimento de Minas Gerais (Copasa), que fará a licitação para execução das obras. A Copasa informou que as obras para descomissionamento das duas barragens devem ser licitadas ainda em fevereiro de 2019.

Para Paulo Rodrigues, a mineração como um dos argumentos centrais do “modelo de desenvolvimento” brasileiro tem colocado em risco dois patrimônios naturais do país. “O modelo econômico que a mineração de ferro tem seguido no Quadrilátero Ferrífero está em vigor há muito tempo no país e tem nos levado a esses holocaustos socioambientais. Estamos perdendo os nossos recursos minerais e, junto, os aquíferos, locais armazenadores de recursos hídricos, por um modelo que nos domina há mais de 500 anos”, explica.


Assista ao vídeo com depoimentos de especialistas e moradores da região:


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Na reta nove cidades e sete rodovias

Outra estrutura que gera angústia é o complexo de Maravilhas, da mineradora Vale, em Itabirito. Se romper, sua lama atingirá condomínios e bairros de nove cidades em até 72 horas. São eles: Nova Lima, Rio Acima, Raposos, Sabará, Santa Luzia, Lagoa Santa, Baldim, Jequitibá e Santana de Pirapama. Seu plano de emergência prevê que os rejeitos cheguem em até seis minutos aos condomínios de luxo Estância Alpina e Vale dos Pinhais.

Em até três dias, rios, cidades e zonas rurais seriam afetados pela lama. Sete rodovias sofreriam com os danos: BR-356, MG-150, AMG900-140, MG-437, MG-262, MG-145 e MG-020.

Maravilhas 2 retém 101 milhões de metros cúbicos de rejeitos. Sozinha, essa represa já corresponde a duas vezes e meia a quantidade de material originário das minerações da Vale e da Samarco na Barragem do Fundão, cujo rompimento vitimou 19 pessoas, atingiu outras 500 mil e devastou a Bacia do Rio Doce até o litoral brasileiro.

Ao lado dessa barragem, a Vale já conseguiu o licenciamento de Maravilhas 3 que tem a previsão de armazenar 108 milhões de metros cúbicos. Por isso, o Ministério Público (MP) tem corrido contra o tempo para tentar frear, mais uma vez, a implantação desse imenso reservatório.


Condomínios Estância Alpina e Vale dos Pinhais e o medo da barragem Maravilhas 2 (esquerda)
e Maravilhas 3 (direita), em construção pela Vale


O imbróglio em torno do empreendimento é antigo. Desde 2016 um inquérito civil investiga os riscos da mineração na região. O argumento é que, além de colocar em risco direto as populações vulneráveis, um eventual colapso da estrutura afetaria o abastecimento de água da RMBH. No fim de outubro de 2018, o MP já havia conseguido liminar suspendendo o andamento do projeto de Maravilhas 3, mas a decisão foi revogada.

Segundo o síndico do Condomínio Estância Alpina, Gustavo Miranda, o empreendimento tem gerado transtornos. “Foram inúmeras explosões em fins de semana, tráfego intenso de caminhões trazendo muitos ruídos e levando poeira das estradas e da obra para os vários condomínios e propriedades”, diz. Para ele, a única forma de solucionar o problema seria interromper as obras e abandonar o empreendimento. “Não há como ter segurança e tranquilidade com esse tipo de obra, duas barragens enormes em volta dos condomínios. A solução é não ter nada. Ou então indenizar todos que vivem abaixo. Comprei este terreno para um plano de vida com a minha esposa, uma vida mais tranquila no futuro, mas, não tenho mais coragem de construir nada aqui. E ninguém consegue vender. Quase ninguém vem mais nos fins de semana”, afirma.


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Mais de 300 barragens em risco

O então superintendente do Ibama no estado de Minas Gerais, Júlio Cesar Dutra Grillo, no advento da tragédia da Vale em Brumadinho, declarou que todas as barragens de rejeito têm riscos e são perigosas. “As estatísticas do Comitê Internacional de Barragens de Grande Porte mostram que as de montante causam 37% dos rompimentos; as a jusante, 11,5%; de centro, 4,7%. Outros 46,8% são por causas indeterminadas. Todas são perigosas, não há solução para elas a não ser o seu fim”.

Grillo é categórico em dizer que há mais de 300 barragens de rejeitos em Minas Gerais que não são seguras. “Ou param de usar essa técnica ou há o risco de cair na cabeça das pessoas. Mesmo as que não estão mais recebendo rejeitos não são seguras e, ao longo do tempo, podem despencar na cabeça das pessoas”, diz, emendando que há outras técnicas mais eficientes e que, inclusive, já estão sendo testadas pela própria Vale. Segundo Grillo, contudo, as técnicas alternativas são mais caras, e os órgãos de licenciamento têm autorizado projetos e novas intervenções “do jeito que as mineradoras querem”. “Essas votações têm sido atropeladas”, afirma Grillo.

Para ele a solução é descomissionar todas as barragens de rejeito. “Mas não apenas parar de colocar rejeito nelas. E sim remover o rejeito e colocar dentro da cava da mina ou usar a disposição com o empilhamento a seco”, esclarece.


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Júlio Grillo finalizou ressaltando que as leis relacionadas à segurança de barragens sempre foram muito permissivas. “Há muita permissividade na legislação. E isso não pode persistir. Há um problema de influência no processo de licenciamento. A barragem de Brumadinho não rompeu só porque era a montante. A sociedade brasileira vê com naturalidade o risco. E aceitou o que aconteceu em Mariana”, conclui.

Ao completar um mês do rompimento da barragem em Brumadinho, Minas Gerais avançou na lesgislação com a aprovação pela Assembleia Legislativa do Projeto de Lei 3.676/16, denominado “Mar de Lama Nunca Mais” que foi sancionado pelo governador de Minas Gerais, Romeu Zema (Novo), no dia 25 de fevereiro. O PL é de iniciativa popular, prevê regras mais rigorosas para a mineração, e foi desenvolvido pelo Ministério Público, com apoio de ambientalistas e do deputado João Vítor Xavier (PSDB).

Entre as regras estipuladas no “Mar de Lama Nunca Mais” está a proibição de novas barragens com alteamento a montante; um raio de 10 quilômetros para a zona de autossalvamento; e caução (seguro) por parte dos empreendimentos.

 

Assessoria de Comunicação CBH Rio das Velhas:
TantoExpresso Comunicação e Mobilização Social
Texto: Luiza Baggio / Fotos: Robson de Oliveira e Leo Boi
Vídeo: Imagens Rodrigo de Angelis e Leo Boi / Edição: Daniel Silva
Infográfico: Clermont Cintra

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