Carregando uma faixa com os dizeres “É através das manifestações culturais que conhecemos a história de um povo”, um cortejo de alunos de escolas da rede pública abriu, na última quinta-feira (06), o 30º Festival de Folclore de Jequitibá.
O evento, que já é tradicional na cidade, este ano incorporou em sua programação o 8º Encontro de Subcomitês do Comitê da Bacia Hidrográfica do Rio das Velhas (CBH Rio das Velhas) e o FestiVelhas,do Projeto Manuelzão. A ideia, segundo Poliana Valgas, secretária de Meio Ambiente de Jequitibá, coordenadora do Subcomitê Ribeirão Jequitibá e secretária-adjunta do CBH Rio das Velhas, foi aproximar as pessoas da bacia e das discussões ambientais.
“As três questões – cultura, arte e preservação ambiental – estão muito relacionadas porque somente preservando e fortalecendo a cultura de um povo é que a gente vai conseguir avançar na questão ambiental. As pessoas estão muito ligadas ao rio, principalmente os ribeirinhos e alguns grupos mais tradicionais, como os quilombolas. O Festival, com todos esses temas culturais e ambientais, faz com que as pessoas se aproximem da Bacia. Pessoas que não são membros de Subcomitês estão tendo a oportunidade de conhecer a dinâmica do Comitê, quais são as propostas, qual o trabalho desenvolvido em prol do rio. É também uma oportunidade de ouvir a população e suas expectativas em relação ao CBH”, afirma Poliana.
O movimento cultural em Jequitibá, que teve início na década de 1980, idealizado pelo advogado Geraldo Inocêncio de Sousa, começou pequeno e foi crescendo e ganhando visibilidade ao longo dos anos. Apaixonado por seu povo e ciente da riqueza de suas manifestações, o advogado temia que essas raízes pudessem se perder com o passar do tempo. Inocêncio então investiu e incentivou a realização do Festival de Folclore, que hoje se encontra em sua trigésima edição. Foi dele também a criação da alcunha “Capital Mineira do Folclore”, registrada em cartório e da qual, durante anos, Frei Chico foi ‘governador’. “Naquela época, Geraldo contava com a boa vontade de amigos que emprestavam carros para buscar palestrantes, vizinhos que emprestavam panelas e utensílios para cozinhar na praça. Sua casa se transformava em palco de saraus. Eu chegava no dia da festa, quando era realizada uma missa com a participação de todos os grupos folclóricos. Durante a cerimônia, cada grupo era convidado a cantar suas músicas. A Folia de Reis entrava ‘pedindo licença à senhora dona da casa. Ponha azeite na candeia, não me chame de atrevido por mandar em casa alheia’. O grupo da penitência da chuva cantava a penitência da missa e, assim, todos se manifestavam”, relembra Frei Chico.
Para ele, a preservação dos rios depende do povo. “Não são empresas, organizações ou poder público que vão conseguir levar, sozinhos, essa causa. Como é que se envolve um povo na luta pelo seu patrimônio? Fortalecendo suas bases, seu sentimento de pertencimento àquele local, preservando suas raízes e sua cultura”, concluiu.
Não foi à toa que Frei Chico ocupou o cargo de ‘governador’ da Capital Mineira do Folclore. Franciscus Henricus van der Poel é holandês e mora no Brasil, em Minas Gerais, desde os anos 1960. Desde então, o frei mergulhou profundamente nas raízes de nosso universo de crenças e crendices populares. Tornou-se referência no assunto, sendo requisitado por cursos de graduação e pós-graduação universitários. Frei Chico acaba de lançar o Dicionário de Religiosidade Popular, fruto de 40 anos de trabalho, onde foi privilegiada a fala do povo através dos seus representantes: o mestre da folia, a rezadeira, o capitão do congado, a mãe de santo, o cordelista e tantos outros.
Frei Chico (à esquerda) é considerado o ‘governador’ da Capital Mineira do Folclore’. Festival em Jequitibá contou diversas atrações e atividades, como a roda de conversa com povos tradicionais da bacia do Velhas (à direita, em baixo), promovido pelo FestiVelhas/Projeto Manuelzão. (Crédito: Bianca Aun)
Jequitibá possui mais de 15 grupos folclóricos que preservam inúmeras manifestações populares. O batuque de viola resiste ao tempo, e hoje o grupo é único no Brasil. Pastorinhas, contra-dança, dança do Tear, Fim de Capina, Folia de Santo Antônio, Folia de Santos Reis, Folia de volta dos Magos, Folia de Nossa Senhora Aparecida Boi da Manta, Incelências para Chuva, Encomendação de Almas, Ladainhas, Casamentos com Embaixada, Dança da Vara, Congado, Cantigas de Roda, Dança da Fita, para citar alguns.
Para o prefeito de Jequitibá, Humberto Reis, cultura e ações de conscientização ambiental caminham juntas. “A maior fonte de riqueza de Jequitibá era o nosso Rio das Velhas, que era navegável e a água podia ser utilizada na lavoura e até mesmo nas residências. Infelizmente, isso não é mais possível nos dias de hoje. Afluente do Velhas, o Ribeirão Jequitibá carrega uma grande carga de esgoto não tratado para o rio principal. Então, é um momento ímpar para Jequitibá essa união do Festival de Folclore, FestiVelhas e Encontro de Subcomitês. É um momento não só de conscientização, mas também de reflexão. É através da cultura, do conhecimento dos mais antigos que a gente pode fazer algo melhor para o mundo”, declarou.
Para o presidente do CBH Rio das Velhas, Marcus Vinicius Polignano, “um povo sem cultura não é nada. Jequitibá é um exemplo de como é necessário preservar a cultura. Somos iguais as plantas: se não tivermos raiz, não crescemos, não nos fortificamos, se não tivermos raiz, a gente não cria o futuro. Por isso, a cultura é o caminho para construirmos um mundo melhor”, ressaltou.
Durante os quatro dias, a capital mineira do folclore foi tomada por cortejos de grupos de congado, candombe, folia de reis, entre outros. A programação englobou oficinas de artesanato, gastronomia, conservação de patrimônio, rodas de conversa, shows musicais e desfiles. Segundo o prefeito Humberto Reis, o Festival contou com a participação de cerca de 20 mil pessoas de Jequitibá e região, entre os dias 06 e 09 de setembro.
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Folclore
A palavra folclore é de origem anglo-saxônica e foi criada por William John Toms. Folk, no sentido de povo, é o morador de um habitat. Lore – no sentido de sabedoria – é a cultura na acepção de modo de vida, ou seja, as maneiras de pensar, sentir, agir e reagir de uma comunidade nas mais variadas situações. Ao longo da vida, os membros de uma comunidade acabam adotando hábitos, comportamentos e vivências que se tornam característicos e lhes conferem identidade própria. Antes mesmo de nascerem, os futuros bebês já começam a receber as primeiras influências desses costumes, que, na maioria das vezes, os acompanharão por toda a vida, até mesmo nos rituais fúnebres. Portanto, as manifestações folclóricas representam a cultura típica do povo de uma região.
Guarda do Santíssimo Sacramento
O ritual da folia e guarda começa com o cortejo pelas ruas da cidade, cantando, dançando e tocando as violas, as caixas, o xique-xique, cavaquinhos e rabeca. A guarda sai com o seu mestre à frente de uniforme branco e espada símbolos de sua dignidade e sabedoria. O cortejo visita à casa do festeiro onde os componentes almoçam e prosseguem pelas ruas terminando a festa com o levantamento do mastro da bandeira no adro da igreja em homenagem ao santo celebrado.
“Incelência para Chuva”
Cortejo onde os cantadores saem pelo povoado rezando o terço e cantando pedindo o fim da estiagem
“Encomendação das Almas”
Ritual realizado durante a quaresma, quando os participantes saem durante a noite tocando matraca e pedindo que todos rezem pelas almas, principalmente daqueles que morreram em mortes trágicas.
“Batuque”
Dança de origem africana caracterizada por forte sapateado e palmas e que é acompanhado por tambores, caixas, pandeiros, violas e rabecas que dão base rítmica a cantigas tradicionais.
“Dança do Tear”
Retrata a cultura do algodão do momento de se colher até o de se tecer. Nessa dança a coreografia imita os movimentos dos fios durante a tecelagem.
“Contra–Dança”
Feita sem canto nem letra, apenas ao som de violas rabecas e flautas. Na evolução da dança são usados lenços e porretinhos que são batidos uns nos outros.
“Fim de Capina”
Dança que representa o término da capina na roça, geralmente realizada em novembro e dezembro.
“Dança do Serrador”
Cantos que embalavam no passado os trabalhadores na dura tarefa de serrar troncos com serras manuais que exigiam muito esforço.
Mais informações:
Assessoria de Comunicação CBH Rio das Velhas
comunicacao@cbhvelhas.org.br
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