Com o tema ‘Água X Mineração’, o encontro realizado pela CPI das Barragens da Câmara Municipal de Belo Horizonte (CMBH), pelos Subcomitês do Ribeirão Arrudas e do Onça, pelo Gabinete de Crise e pelo Projeto Manuelzão aconteceu nessa terça-feira (16) na Câmara Municipal e promoveu um grande coro das entidades ligadas à preservação ambiental para fortalecer o enfrentamento ao atual cenário de risco no abastecimento da população da capital mineira e da Região Metropolitana e a angústia de quem vive nas áreas de risco das barragens de rejeito das mineradoras.
A ameaça aos recursos hídricos no Alto Rio das Velhas, que já existia, se tornou alarmante nos últimos meses depois do levantamento do número de barragens em risco de rompimento que estão próximas à calha do Velhas e de seus afluentes. Além da possibilidade de algumas dessas barragens atingirem o sistema Bela Fama da Copasa (Companhia de Saneamento de Minas Gerais), que hoje é responsável por abastecer aproximadamente 60% da capital mineira e 50% da Região Metropolitana, outro motivo de preocupação é com as cidades que estão na mancha de inundação das barragens. Como é o caso do município de Raposos e do distrito de Macacos, em Nova Lima, que foram representados por moradores durante o seminário.
Rafael Gonçalves, vereador em Raposos, cidade da Região Metropolitana que é cortada pelo Rio das Velhas, trouxe a tensão cotidiana de ver o município sob ameaça direta de três barragens de mineração que, juntas, somam 37 milhões de m³. “A gente não acha nem um pouco justo e batemos o pé sobre ter que evacuar território. Temos 250 anos antes dessa barragem da AngloGold e agora a gente vai ter que sair?”, desabafa o morador. Raposos foi fundada em 1690 e teve a construção da sua primeira barragem apenas em 1940. “Estamos na luta, através da Câmara Municipal, para criar dispositivos legais para defender nosso território. A gente levanta a bandeira da água e entende que uma mineração responsável é possível”, completa.
Segundo informações levantadas pela equipe da CPI das Barragens da Câmara, atualmente a Agência Nacional de Mineração (ANM) conta com quatro profissionais em Minas Gerais para atuarem na fiscalização de barragens. Na Fundação Estadual de Meio Ambiente (FEAM) são três profissionais, sendo alguns deles em processo de treinamento, o que ressalta a situação crítica estrutural da equipe destinada a verificação da segurança das milhares de barragens presentes em todo o Estado. Para Bella Gonçalves (PSOL), vereadora que integra a CPI das Barragens, esse cenário é revoltante. “Isso também vai estar presente nas nossas análises de como o processo de fiscalização não é sério. Ele é, na verdade, todo câncer desse sistema”, aponta a vereadora.
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Há 18 anos lutando contra a mineração, Maria Teresa Corujo, a Teca, do Movimento pelas Serras e Águas de Minas Gerais, se indigna com a morosidade do poder público. “Eu até agora não vi dos nossos agentes públicos estaduais e municipais qualquer encaminhamento que tenha coerência com essa gravidade. Porque o que eu tenho visto é a mineração pedindo novas outorgas. Não tem um plano integrado emergencial para tratar essa questão e as mineradoras continuam dando entrada em licenciamento. Agora é uma questão de luta pela sobrevivência. Nós perdemos o Paraopeba, perdemos o Doce e podemos perder o Rio das Velhas”, desabafa a ativista ambiental.
Frei Gilvander, da Comissão Pastoral da Terra relembra que a primeira CPI que aconteceu na Assembleia Legislativa de Minas Gerais foi sobre a mineração da Serra do Curral, o que prova que o meio ambiente está em risco há muito tempo pelas mineradoras e que a sociedade precisa mudar a sua mentalidade com relação a água. “Nós temos muito o que aprender com os povos tradicionais, entre os quais estão os nossos parentes indígenas, que não olham a água apenas como um recurso hídrico. Eu fico muito indignado quando ouço militantes socioambientais se referindo à água como recurso hídrico. A água é muito mais do que um recurso econômico. É fonte de vida. A gente tem que observar a sua dimensão espiritual, mística da água”, explica Frei Gilvander.
Com a proposta de reunir milhares de pessoas em um seminário que será realizado entre agosto e setembro desse ano com foco em debater a mineração predatória, o presidente do CBH Rio das Velhas, Marcus Vinicius Polignano, vê como urgente a necessidade de barrar o modelo que é praticado na mineração atualmente. “Qual o ambiente que a gente quer? Um ambiente que vai produzir água e cidadania ou o ambiente que vai gerar esse cenário que está posto? Ou a mineração vai ter que mudar a sua história ou nós é que vamos ter que mudar o local da nossa história. É uma opção que a sociedade vai ter que fazer”, aponta o presidente.
Ainda de acordo com Polignano, o Comitê já tentou decretar duas vezes a situação de conflito pelo uso da água em Belo Horizonte e Região Metropolitana, porém, mesmo com apresentação de estudos, o IGAM (Instituto Mineiro de Gestão das Águas) não acatou o pedido. Ele sugeriu então que os vereadores que compõem a CPI das Barragens reforcem o pedido no relatório da Comissão.
Eric Machado, coordenador do Subcomitê Ribeirão do Onça, traz a importância da sociedade civil em participar mais dos subcomitês da Bacia Hidrográfica do Rio das Velhas na luta pelos recursos hídricos e preservação ambiental e que o seminário cumpre um papel fundamental de disseminar a informação. “Tudo que foi falado aqui é importante que não fique só entre nós. Nós já sabemos o que fazer e onde chegar. Esse seminário tem a função de explodir a informação. Nós temos que viralizar essa informação e chegar onde precisa chegar”. Um dos encaminhamentos sugeridos pelos participantes, inclusive, foi que todo conteúdo debatido durante o seminário chegue nas mãos do secretário Germano Vieira, da Secretaria Estadual de Meio Ambiental e Desenvolvimento Sustentável (SEMAD) do Governo de Minas Gerais.
Entre outros encaminhamentos do seminário, foi solicitado por Polignano, do CBH Rio das Velhas, que a Câmara Municipal faça um projeto de lei que proíba a mineração na Serra do Curral. Também foi pedido a CPI das Barragens que se manifeste no relatório contra a construção da barragem Maravilhas III, da Vale, atitude já manifestada pelo Comitê e pelo Projeto Manuelzão.
Eric Machado, coordenador do Subcomitê Ribeirão do Onça (à esquerda). Marcus Vinicius Polignano, presidente do CBH Rio das Velhas (à direita). Crédito: Michelle Parron
Por sugestão da ativista Teca, foi pedido que a CPI faça a requisição de uma avaliação hídrica integrada em caráter emergencial sobre a segurança hídrica de Belo Horizonte e Região Metropolitana para os órgãos competentes. Que seja informado aos deputados e senadoras o grave risco de colapso da terceira maior capital do Brasil e que, enquanto a situação não for resolvida, que não se licencie ou dê outorgas que coloquem em risco esse cenário. Teca também sugere uma moção em repúdio a falta de informação da Vale com relação as obras emergenciais e a verdadeira situação das barragens, além de uma moção em solidariedade a Macacos e em reconhecimento ao papel dos subcomitês do CBH Rio das Velhas e dos cuidadores de água. “A gente nunca pode deixar de ter esperança e de lutar. E as mudança sempre foram assim. Vai estudar a história da humanidade. Nunca foi contando com o Estado, de cima para baixo, sempre foi com o que a gente faz mesmo”, reforça Teca.
A vereadora Bella Gonçalves reforça a importância de reconhecer o trabalho de quem luta pela proteção do meio ambiente. “Houve aqui o pedido de várias manifestações e moções de repúdio, mas também de homenagem aos protetores das águas que são principalmente as bacias hidrográficas. A gente pode apresentar isso em plenário e podemos discutir, para além das moções, o que a gente pode fazer para valorizar o trabalho incrível que vocês fazem”, diz a vereadora.
Segundo os vereadores da CPI das Barragens, Bella Gonçalves e Edmar Branco (Avante), o relatório apresentará diversas informações que estão sendo levantadas pela Comissão desde fevereiro de 2019, mês em que a CPI foi criada após o desastre que aconteceu com a Mina Córrego do Feijão, em Brumadinho. Além das visitas técnicas, já foram realizadas várias oitivas com representantes do Governo do Estado, órgãos estaduais ligados ao Meio Ambiente, empresas mineradoras, ambientalistas e estudiosos.
No próximo dia 25, data que marca seis meses da queda da barragem em Brumadinho, acontecerá um Ato Público Parlamentar com a participação das câmaras municipais com objetivo de discutirem a questão das águas e da segurança de abastecimento das cidades.
Já o relatório final da Comissão será colocado para aprovação no dia 20 de agosto e segue para ser apresentada nos dias 22 e 23 de agosto na Câmara dos Deputados e do Senado.
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Assessoria de Comunicação CBH Rio das Velhas:
TantoExpresso Comunicação e Mobilização Social
Texto: Michelle Parron
Fotos: Michelle Parron e Câmara Municipal de Belo Horizonte
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