“É algo parecido com se imaginar uma extração de minério no Pão de Açúcar [complexo de morros que é símbolo do Rio de Janeiro]. O sentimento é de tristeza ao ver um patrimônio tombado, símbolo da história de Belo Horizonte, virar uma terra absolutamente devastada. Não tem valor econômico que justifique um processo de destruição dessa monta”. Com essas palavras, o presidente do Comitê da Bacia Hidrográfica do Rio das Velhas (CBH Rio das Velhas), Marcus Vinícius Polignano, definiu a visita técnica promovida pela entidade e Subcomitê Ribeirão Arrudas à Mina Corumi, da Empabra SA (Empresa Mineradora do Pau Branco), localizada no bairro Taquaril, na Serra do Curral, em Belo Horizonte. Representantes de diversas entidades, da imprensa, além do vereador Gilson Reis (PCdoB), participaram da visita, realizada na manhã desta quarta-feira (02).

Conforme denúncias encaminhadas ao Ministério Público Estadual, em janeiro e setembro do ano passado, a Empabra estaria ignorando o tombamento da Serra do Curral e a proibição, por lei municipal, do estabelecimento de atividades de mineração nesta área, e promovendo lavra de metal a seco, sob o pretexto de tratar-se de readequação e recuperação ambiental em área de antiga mina embargada na década de 1990. “É de se lamentar o fato de a empresa ter utilizado o PRAD (Programa de Recuperação de Áreas Degradas) como instrumento inicial para a atividade e depois praticamente implementar uma outra planta minerária por cima. Isso é absolutamente imoral”, definiu Polignano.

As atividades minerárias, concentradas na Mina Corumi, no bairro Cidade Jardim Taquaril, zona leste da capital, estariam impactando o Pico Belo Horizonte, área de tombamento pelo IPHAN (Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional) e maior elevação dentro do município, presente inclusive no brasão e bandeira da cidade, além do Parque Municipal das Mangabeiras e Parque Estadual da Baleia.

Um laudo de constatação promovido pelo IEF (Instituto Estadual de Florestas), em novembro de 2017, atestou atividades minerárias fora do perímetro definido e recomendou a emissão ao órgão licenciador de manifestação pelo indeferimento da solicitação de permanência de atividade minerária e a aplicação de sanções administrativas, como embargo e multa, pelos impactos gerados. “Além dessa movimentação de terras que afetou o limite do parque [Estadual da Baleia], nós identificamos alteração no balanço hídrico da região pela cava que foi feita. Isso, de fato, pode ter causado danos às nascentes que estão dentro do parque, como redução de vazão”, afirmou Carlos Silveira, gerente do Parque Estadual da Baleia à época do laudo e analista ambiental do IEF, lembrando que o ocorrido transgride o Art. 40 da Lei de Crimes Ambientais, sujeita a pena de reclusão, de um a cinco anos.

 Visita técnica promovida pelo Comitê contou com ampla repercussão. Em destaque (à esquerda), o coordenador do Subcomitê Ribeirão Arrudas, Rodrigo Lemos, em entrevista à TV Bandeirantes. À direita, mineração em franca atividade. 

Segundo o autor da denúncia encaminhada ao MPE, o médico Arthur Nicolato, a Empabra tem promovido lavra de minério de ferro dentro de Belo Horizonte, em desrespeito à Lei Orgânica do Município, não se limitando ao que lhe fora autorizado pelo MP, em 2003, quando foi ajuizada uma Ação Civil Pública de Obrigação de Fazer, designando a empresa a implementar projeto de recuperação da área degradada e concedendo a retirada de quatro milhões de toneladas de material com a dita finalidade de reconformação e recuperação da área.

“A gente diz com muita clareza que isso não é uma atividade de recuperação ambiental. A empresa entra com um artifício de recuperar uma área e, ao longo de nove anos, retira de 400 a 500 caminhões de minério por dia, faz uma cava que invade o parque [da Baleia] e acredita que, por inércia da sociedade, isso vai ser aceito e tolerado. A cidade não quer uma mina, não quer cava, não quer buraco em volta dela. A população quer preservação ambiental, área de lazer e retorno social. Esse tipo de empreendimento não beneficia Belo Horizonte em quesito nenhum”, afirmou Nicolato, destacando que o CBH Rio das Velhas foi a única entidade – dentre várias acionadas – a encabeçar uma discussão sobre o tema.

Ainda segundo a denúncia, a Empabra teria expandido a área de mineração para a base do Pico Belo Horizonte, onde teria removido a vegetação nativa de porções intocadas e aprofundado a área central antes aplainada em uma cava com cerca de 70m de desnível. Além disso, a intervenção teria severamente impactado o córrego Taquaril, que viu sua cabeceira mais elevada ser integralmente extinta.

Audiência Pública na Câmara de Vereadores

A visita técnica promovida nesta quarta-feira foi formalmente requerida pelos vereadores Gilson Reis (PCdoB), presente no encontro, e Edmar Branco (PTdoB). “Essa questão chegou à Câmara de Vereadores há aproximadamente uns três meses atrás. Eu estive inclusive próximo à região, fazendo um levantamento, mas com dificuldade de entrada na estrutura da empresa. Então, nós resolvemos fazer essa visita técnica para que tenhamos uma dimensão real do que está acontecendo. Há um conjunto de informações e de denúncias contra essa empresa, inclusive de ocupação de áreas de parques da cidade e com um projeto de exploração que extrapola e muito aquele potencial inicialmente disponibilizado. Isso poderia causar um grande impacto em toda RMBH, inclusive atingindo mais de 50% do território da cidade de Belo Horizonte”, afirmou Gilson Reis.

Conforme garantiu o vereador, uma audiência pública na Câmara de Vereadores, com data a ser definida em breve, debaterá mais a fundo as atividades na Mina Corumi. “É uma preocupação grande. Se de fato for confirmado aquilo que está sendo denunciado, vamos tomar todas as medidas necessárias e cabíveis – tanto do ponto de vista político, jurídico e institucional – para que a empresa deixe de explorar o minério no entorno de Belo Horizonte”, concluiu Gilson Reis.

Confira mais fotos da Mina Corumi e da visita:

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O que diz a empresa

Durante a visita, representantes da Empabra se recusaram a responder perguntas da imprensa – a orientação foi que enviassem por e-mail. Por meio deste canal, a empresa afirmou que as atividades do PRAD, autorizadas pela prefeitura de Belo Horizonte, em 2008, tais como reconformação de taludes, implantação do sistema de drenagem, descomissionamento de pilhas de estéril e de diques, e também o início do reflorestamento, foram implementadas. Disse também que, em 2015, a Empabra iniciou um processo de regularização ambiental para exploração mineral, onde foi apresentado um novo PRAD visando a continuidade das atividades de recuperação ambiental em conformidade com os Estudos Ambientais protocolados juntos à SEMAD (Secretária de Estado de Meio Ambiente e Desenvolvimento Sustentável).

Ainda segundo a empresa, em 2015, em atendimento ao Ministério Público e Secretaria de Estado de Meio Ambiente (SEMAD), eles formalizaram um processo de regularização ambiental para obtenção da Licença de Operação Corretiva (LOC) e, desde então, operam por meio de um Termo de Ajustamento de Conduta (TAC) firmado junto à SEMAD, permitindo atividade de lavra limitada ao título minerário (Processo DNPM n° 7227/57), bem como, a comercialização de 1.5 milhão de toneladas de minerário de ferro por ano.

Questionada, a Empabra informou que o término das atividades de mineração na área dependem de estudos geológicos, demanda de mercado e outros fatores externos à atividade da empresa.

Entenda o caso

O Bairro Cidade Jardim Taquaril, onde se situa a Mina Corumi, é parte de uma das fazendas adquiridas pelo Estado de Minas Gerais na década de 1890 com o objetivo da construção da nova capital. Posteriormente, a área foi fracionada e a chácara que depois deu origem ao loteamento e bairro foi vendida ao médico pediatra Navantino Alves. Na década de 1950 foi concedida outorga de lavra de minério de ferro ao Dr. Navantino, sendo iniciada a exploração da jazida pelas empresas Ita-Norte e Emitaq.

A Ita-Norte lavrou o minério de ferro contido nas camadas de itabirito, comercializando-o para a indústria siderúrgica, enquanto a Emitaq extraiu a couraça ferruginosa com finalidade de uso em pavimentação viária. Em 1991, no contexto da extensão do tombamento da Serra do Curral e inclusão da cláusula de preservação na Lei Orgânica de Belo Horizonte, a Secretaria Municipal de Atividades Urbanas interditou a atividade das empresas no local e, em 1992, o COMAM deliberou sobre a recuperação ambiental da área, fornecendo diretrizes e prazos que variavam de 30 a 180 dias.

Como habitual frente ao fechamento de minas e a interrupção do aporte financeiro pela comercialização mineral, todo o sítio de exploração ficou abandonado por mais de uma década. Em 2003, a área degradada apresentava recuperação parcial, persistindo com grande número de valas, elevações, taludes sem cobertura vegetal maciça. Na parte central da área explorada pela empresa Ita-Norte, havia uma nascente que figurava como cabeceira do Córrego Taquaril que encontrava-se vulnerável devido ao carreamento de grande volume de sedimentos principalmente provenientes das pilhas de finos de minérios abandonadas.

Ainda em 2003, o MP ajuizou uma Ação Civil Pública de Obrigação de Fazer designando a Empabra, detentora da antiga Emitaq, para implementação de projeto de recuperação da área degradada. Na ocasião, já em oposição ao definido pela legislação, e sob o pretexto de viabilização das atividades de recuperação, foi permitido em acordo que a empresa retirasse quatro milhões de toneladas de material, sendo metade em finos de minério e metade de material “in situ”, com dita finalidade de reconformação e recuperação da área.

Segundo a denúncia, bem distante dos planos de recuperação inicialmente apresentados, a mineradora hoje atua em regime de três turnos diários, trabalhando 24h em sete dias por semana. Estariam sendo removidos diariamente cerca de 400 caminhões de minério.

Em 2015, frente à denúncia de moradores da região, foi realizada fiscalização na qual constatou-se atividade de lavra e beneficiamento de minério, não sendo apresentados documentos relativos à regularização ambiental da atividade. Foi lavrado o auto de infração nº 005553/2015 com penalidade de multa e suspensão das atividades. O empreendedor então recorreu à Secretaria Estadual de Meio Ambiente que autorizou que a empresa realizasse atividades de desmobilização, que deveriam finalizar em dezembro de 2015, mas que foram prorrogados indefinidamente e também sem limite por um TAC (Termo de Ajustamento de Conduta) junto à Supram Central Metropolitana.

Fotos: Léo Boi


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