A Estrada Real do Sertão
Texto: Luiza Baggio
Uma antiga estrada corta o vale do Rio das Velhas e foi caminho para a passagem de baianos, paulistas, portugueses, escravos, soldados, civis, tropeiros e contrabandistas. Essas trilhas do passado foram cenários de importantes fatos históricos como a Guerra dos Emboabas (1708) e a Revolução Liberal (1842) e ainda é possível encontrar nelas vestígios desta época e, em alguns trechos, uma rica biodiversidade, além de ter servido como rota para as riquezas retiradas do solo de Minas Gerais.
O livro “O Caminho dos Currais do Rio das Velhas – A Estrada Real do Sertão”, foi lançado, em 2009, por Eugênio Marcos de Andrade Goulart e é uma importante fonte de conhecimento para quem quer conhecer essa estrada. A obra relata a história do caminho usado nos séculos passados como rota mercante e científica no Brasil Império, resgatando uma das principais estradas nos vales do Rio das Velhas e São Francisco, no início da colonização de Minas Gerais.
Eugênio Goulart interessou-se pela percurso da Bacia Hidrográfica do Rio das Velhas, bem como de seus afluentes, com suas serras e caminhos do passado, enquanto, em momentos de prazer, descobria a beleza e o grande significado histórico desta região de Minas Gerais.
“A motivação para escrever o livro veio das minhas atividades e viagens pelo Projeto Manuelzão. Percorri os 800 km do Rio das Velhas na Expedição de 2003 e, em várias outras oportunidades, visitei parte do trajeto. No livro da Expedição, de quase 1000 páginas, escrevi o ‘diário de bordo’. Mas, foram tantas as histórias que escutei e anotei que dava para fazer um outro livro. E foi o que fiz alguns anos após, com ‘O Caminho dos Currais do Rio das Velhas – a Estrada Real do Sertão’. Foram vários meses escrevendo e novas viagens recolhendo histórias”, comenta Eugênio.
Em seu livro, Eugênio descreve os caminhos, desvenda muitas de suas histórias e faz um relato preciso de como era usado por mercadores, tropeiros, soldados e pesquisadores europeus em suas jornadas árduas pelas trilhas de Minas. “Fiz um relato com uma sequência geográfica, iniciando por Ouro Preto e terminando na Barra do Guaicuy, onde o Velhas se encontra com o São Francisco. A riqueza cultural da região está bastante preservada, na memória dos moradores e em vestígios dos tempos de ocupação indígena e do período colonial. E ainda o que sobrou da navegação e das ferrovias”, afirma o escritor.
As palavras do autor ficam apoiadas também em fotografias atuais e pinturas de Johann Moritz Rugendas, o pintor alemão que registrou imagens da bacia do Velhas, no início do século XIX.
Os membros dos núcleos do Projeto Manuelzão e dos subcomitês das bacias hidrográficas dos Rio das Velhas, assim como os moradores da Bacia do Rio das Velhas ao lerem o livro “O Caminho dos Currais do Rio das Velhas – A Estrada Real do Sertão” percorrerão, seguramente, as trilhas do pensamento do escritor, aprendendo com ele histórias de importante significado social e que ajudarão na preservação e recuperação ambiental e cultural dessa região.
Este livro é uma publicação paradidática, destinada a professores dos ensinos Fundamental e Médio. O livro obteve patrocínio da Lei Estadual de Incentivo a Cultura e 1.500 exemplares foram distribuídos para escolas e bibliotecas da bacia do Rio das Velhas. “Para minha alegria, recebi muitas cartas de retorno com comentários elogiosos e depoimentos de pessoas que gostaram da leitura e que se sentiram orgulhosos de ver as suas cidades fazerem parte desta história”, comenta Eugênio.
“O Caminho dos Currais do Rio das Velhas: a Estrada Real do Sertão” é leitura agradável, que desperta o interesse do leitor. Este livro será consulta obrigatória para estudantes de História, Geografia e Biologia, para professores e moradores que habitam a região do Caminho dos Currais, bem como para pesquisadores com interesse em estudos multidisciplinares.
O autor
Além de professor da Faculdade de Medicina da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), Eugênio Goulart é coordenador no setor de Publicações Científicas e Literárias do Projeto Manuelzão e diretor-presidente do Instituto Biotrópicos de Pesquisa da Vida Silvestre.
Eugênio Goulart também escreveu os livros “Nos Ermos e nas Brumas da Serra do Espinhaço” (2001), “De Lucy a Luzia: a longa jornada da África ao Brasil” (2006), e é co-autor do livro “Ocultas minas no sertão do gerais” (2008).
“O primeiro obstáculo do Caminho dos Currais era ultrapassar o espigão mestre que divide os vales dos rios Doce e São Francisco. A trilha saía do centro de Vila Rica e, inicialmente, por uma légua, tomava o rumo do Rio de Janeiro. De repente, em diagonal a este caminho, galgava a serra em uma rampa sem trégua, a não ser ao chegar ao topo, quando a paisagem se abria, expondo todo o vale em que nasce o Rio das Velhas”.
(Goulart, página 32)
Município de Ouro Preto, região da do Alto Rio Velhas. (Crédito: CBH Rio das Velhas – TantoExpresso – Bianca Aun)
É polêmica a origem do nome “Rio das Velhas”. Há a lenda segundo a qual os índios que habitavam a região chamavam o rio de Guaicuy, que significa mulher velha. Existe também a história de que o nome teria sido dado pelos primeiros portugueses que navegaram o rio de sua barra com o rio São Francisco até Sabará. Como era um rio caudaloso, com muitas ondas, que eram chamadas pelos lusitanos de válias, foi batizado de rio das Válias. Posteriormente, como o vocábulo era inusitado para nossotros, o significado do nome não se manteve, e foi “abrasileirado” para Rio das Velhas. (Goulart, página 46)
Município de Curvelo, na região da Bacia do Rio das Velhas. (Crédito: CBH Rio das Velhas – TantoExpresso – Bianca Aun)
Ao chegar à barra do Velhas com o São Francisco, após 38 dias de viagem desde Sabará, Burton deixou-se emocionar com o grandioso espetáculo das águas e registrou em seu diário: Era impossível contemplar sem entusiasmo o encontro dos dois poderosos cursos de água. O Rio das Velhas faz uma curva graciosa de nordeste quase que para oeste e, descendo por um trecho reto, com cerca de 183 metros de largura, mistura-se com o São Francisco, que vem de leste para recebê-lo (…) Se algum lugar merece o selo de grandeza conferido pela mão da Natureza é essa confluência. (Goulart, página 195)
Barra do Guaicuí, região do Baixo Rio das Velhas (Crédito: Projeto Manuelzão)
Referências bibliográficas citadas: Goulart, Eugênio Marcos Andrade. O Caminho dos Currais do Rio das Velhas – a Estrada Real do Sertão. Belo Horizonte: Coopmed, 2009.
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