O saneamento básico é um dos pontos de maior atraso no Brasil. Com o crescimento das cidades, tanto no sentido vertical quanto periférico, o planejamento sanitário não conseguiu acompanhar essa expansão na mesma velocidade. Dados do SNIS (Sistema Nacional de Informação Sobre Saneamento) mostram que 83,5% da população brasileira têm acesso a água tratada, 54,4% têm coleta de esgoto e apenas 46% têm esgoto tratado. Esses números colocam o Brasil atrás de países como Chile, México, África do Sul, Bolívia, Iraque, Peru e Marrocos.
Em Minas Gerais, apesar de apresentar uma situação um pouco melhor, pois integra a Região Sudeste que é a mais avançada neste setor no país, mesmo assim algumas regiões da Bacia do Rio das Velhas ainda apresentam dados alarmantes sobre a falta de saneamento, principalmente ao não tratamento de esgoto.
Direito assegurado pela Constituição e definido pela Lei nº 11.445/2007, o saneamento básico é um conjunto de serviços, infraestrutura e instalações operacionais de abastecimento de água, esgotamento sanitário, limpeza urbana, drenagem urbana, manejos de resíduos sólidos e de águas pluviais, responsável pela prevenção de doenças, e melhoria da qualidade de vida da população, da produtividade e do desenvolvimento econômico.
Em Minas Gerais, segundo dados do Instituto Trata Brasil de 2017, o Estado tem o total de 81,8% da população com acesso a água, 70% com coleta de esgoto e apenas 39,1% têm seu esgoto tratado. Problema que afeta diretamente a saúde da população, conforme informações fornecidas pela SES-MG (Secretaria Estadual de Saúde de Minas Gerais), que mostram doenças associadas à falta de saneamento básico. De acordo com a SES-MG, Febre Tifóide, Febre Paratifoide, Hepatite A, Esquistossomose, Amebíase, Giardíase, Leptospirose e Diarreia tem seus surgimento relacionados à inexistência de saneamento.
Com relação as cidades que pertencem a bacia do Rio das Velhas, segundo o monitoramento parcial de 2019 das Doenças Diarreicas Agudas feito pela SES-MG, as URGs (Unidades Regionais de Saúde) de Belo Horizonte e Sete Lagoas figuram entre as que apresentam os maiores índices. São 22.915 casos registrados nos 39 municípios URG Belo Horizonte e 6.317 casos registrados nos 35 municípios de URG Sete Lagoas.
Rio das Velhas com esgoto não é o rio que queremos!
Fator que interfere na saúde da população, o esgoto também ameaça a qualidade de água e a biodiversidade da bacia do Rio das Velhas. Realizar ações para promover seu tratamento se tornou mais do que uma urgência, mas um compromisso do Comitê da Bacia Hidrográfica do Rio das Velhas (CBH Rio das Velhas) para tentar diminuir a degradação nos cursos d’água, tanto na calha principal do Velhas, como em seus afluentes.
O volume de esgoto sem tratamento que ainda cai direto no rio pela falta de saneamento básico dos municípios, além de outros problemas que interferem na bacia, mobilizou o comitê a criar a Campanha “Que Rio Queremos?”, que tem o papel de questionar, proteger e alertar sobre o que está sendo feito com os rios e toda a biodiversidade da bacia, ao mostrar pontos que ameaçam a vida no Rio das Velhas.
“O CBH Rio das Velhas também problematizará várias questões que colocam em risco a saúde do rio e da bacia, além da falta de saneamento básico, em especial o não tratamento de esgotos, o acondicionamento inadequado dos resíduos sólidos nas cidades, os defensivos agrícolas utilizados na agricultura, o desmatamento, dentre outros”, afirmou o presidente do Comitê, Marcus Vinícius Polignano.
Há alguns anos, o Rio das Velhas chegou a esgotar sua capacidade de auto depuração, apresentando índices zero de oxigênio em alguns trechos da bacia a jusante da RMBH (Região Metropolitana de Minas Gerais). Isso aconteceu porque, após receberem as águas do Rio das Velhas para seu abastecimento, Belo Horizonte e as demais cidades da RMBH inseridas nessa bacia lançavam, integralmente e sem tratamento, todos os seus esgotos domésticos e industriais no rio e em seus afluentes. O lançamento desta carga orgânica comprometeu a qualidade dos ecossistemas aquáticos, atingindo níveis insustentáveis para um rio, ultrapassando a sua capacidade de autodepuração.
Revitaliza Rio das Velhas: pacto para reverter o problemas com esgoto na bacia
Situação que vem sendo revertida desde 2002, com a implantação das Estações de Tratamento de Esgoto (ETEs) Arrudas e Onça, que tratam atualmente em torno de 60% do esgoto de Belo Horizonte e Contagem, as duas maiores cidades produtoras de esgotos da bacia, em 2017 a bacia do Rio das Velhas deu um grande passo com a criação do programa Revitaliza Rio das Velhas. O pacto foi assinado entre o CBH Rio das Velhas, a Copasa (Companhia de Saneamento de Minas Gerais), a FIEMG (Federação das Indústrias do Estado de Minas Gerais, o Estado e prefeituras, com o compromisso de realizar uma atuação sistêmica e coordenada, com a participação de vários atores, para garantir maior disponibilidade de água em quantidade e qualidade, visando garantir os múltiplos usos da água e a segurança hídrica da bacia.
“O Programa Revitaliza Rio das Velhas tem conseguido avançar com a retirada de esgoto de vários cursos d’água. O Comitê sempre defendeu a ideia de que é possível vida dentro do curso d’água. Os córregos e rios não precisam ser canalizados e muito menos retirados de cenário. Precisamos aprender a conviver com os rios.”, aponta Marcos Vinicius Polignano, presidente do CBH Rio das Velhas.
O programa tem como um de seus três focos a recuperação do passivo ambiental com a ampliação da coleta, interceptação e tratamento de esgoto lançado, que até a data eram cerca de 700 litros por segundo que iam direto na calha do rio das Velhas. Neste sentido, com a assinatura do pacto, a Copasa assumiu o compromisso de investir R$ 530 milhões em obras de saneamento na bacia do rio das Velhas até 2022, atendendo cerca de 30 cidades no Estado.
“O Rio das Velhas para a Copasa é de uma importância fundamental. Nós temos em Bela Fama [município de Nova Lima] uma captação de água que é responsável por metade do abastecimento de toda a região metropolitana, ou seja atende 2,5 milhões de pessoas. Portanto, é fundamental a gente preservar o rio das Velhas a montante da captação e a jusante”, afirmou o Diretor de Operação Metropolitana da Copasa, Rômulo Perilli.
Com relação ao tratamento terciário do esgoto na RMBH pela Copasa, uma das principais reivindicações do CBH Rio das Velhas junto a companhia, a empresa afirmou que aprofundará, ao longo deste ano, seus estudos para implantação desse tipo de técnica nas ETES Onça e Arrudas. O tratamento terciário permite a remoção de poluentes específicos não removíveis pelos métodos convencionais para evitar a eutrofização, que resulta na queda abrupta de oxigênio na água, afetando diretamente os peixes.
Marcus Vinícius Polignano, presidente do CBH Rio das Velhas e Rômulo Perilli, Diretor de Operação Metropolitana da Copasa.
Comitê financia Planos de Saneamento Básico para municípios da bacia
A luta pela qualidade da água na bacia do Velhas também perpassa pelos investimentos nos PMSBs (Planos Municipais de Saneamento Básico). Compreendendo a importância de garantir apoio aos municípios integrantes da bacia na elaboração dos PMSB, bem como na elaboração dos projetos de saneamento básico, o Comitê da Bacia Hidrográfica do Rio das Velhas discutiu o tema ao longo do ano de 2011, no âmbito da Câmara Técnica de Planos, Projetos e Controle (CTPC).
Em 2012, o CBH Rio das Velhas realizou a elaboração dos primeiros PMSBs financiados com recursos da cobrança pelo uso da água. Até o final de 2018, dos 51 municípios da bacia, o comitê já tinha financiado a elaboração de 21 planos. Faltavam então sete municípios para que todas as cidades da bacia tivessem seus PMSB. No final de 2018 o CBH Rio das Velhas realizou a contratação de duas empresas que trabalham na elaborarem os PMSB para Confins, Esmeraldas, Gouveia, Jequitibá, Capim Branco, Datas e Lassance, cidades que restavam.
“Uma das questões fundamentais para a vida humana é o saneamento básico que deve ser garantido a todos. O Comitê financiou Planos Municipais de Saneamento Básico para a Bacia do Velhas os quais devem virar realidade nos municípios e sair do papel”, afirma Polignano sobre a importância dos municípios se esforçarem para conseguirem executar seus PMSB.
Sem avanços, construção da ETE em Sete Lagoas continua paralisada
O município de Sete Lagoas, localizado no Médio Alto Rio das Velhas, vive um impasse para finalização da obra da ETE Matadouro (Estação de Tratamento de Esgoto). A cidade atualmente coleta 95% do esgoto e distribui água para 99% da sua população, mas trata apenas 10% do seu esgoto nas mini-ETES antes de jogá-lo novamente nos cursos d’água que passam pela cidade.
“A falta de tratamento do esgoto aqui em Sete Lagoas nos traz muito transtorno. Temos vários cursos de água que recebem grandes descargas de esgoto domésticos e esgoto industrial, destruindo a fauna e flora, transformando em matérias orgânicas que servem de alimentação para as larvas de vetores transmissores de doenças como Dengue, Chikungunya, Zica Vírus, Leshimanioses, e outras doenças de veiculação hídricas como Hepatite A , Miningite e outros verminoses.”, explica Nivaldo Santos, representante do Ministério da Saúde e coordenador sociedade civil do Subcomitê da Bacia Hidrográfica do Ribeirão Jequitibá.
Um fator que seria a solução para tratar 100% do esgoto produzido na cidade permanece sem avanço. O processo licitatório para a construção da ETE Matadouro foi iniciado em 2006 e a empresa vencedora do processo foi a Prefisan. Porém, somente em 2013 o SAAE obteve a Licença Prévia. A obra recebeu recursos na ordem de R$ 70 milhões pelo Ministério das Cidades – PAC Saneamento Básico e foi projetada para ocupar uma área de 111.793 m² na comunidade Areias, no bairro Tamanduá. O projeto está planejado para atender as duas bacias hidrográficas (Ribeirão Matadouro e Tropeiros) da sede do município e haverá transposição de uma bacia para outra através de estação elevatória de esgoto bruto. Dessa forma, a estação poderá tratar todo esgoto coletado pelas duas bacias.
Porém, com o atraso nas obras a planilha orçamentária sofreu alterações e a Previsan pediu o reajuste de 25% no valor global, mas a prefeitura e o SAAE não conseguiram atender o pedido. Foi realizada uma nova licitação em abril de 2019, mas foi impugnada. Atualmente, por Sete Lagoas estar passando por um processo eleitoral para escolha do novo prefeito, o que não permite realizar novas licitações no período.
De acordo com a Assessoria de Comunicação da SAAE (Serviço Autônomo de Saneamento Básico), que tem a concessão no município, a empresa também aguarda a liberação da SPA (Síntese do Projeto Aprovado) pela Caixa Econômica Federal/Ministério das Cidades.
Nesse contexto em que apenas 10% do esgoto de Sete Lagoas recebe tratamento, não há dúvidas de que a construção da ETE Matadouro será um grande ganho na qualidade da Bacia do Rio das Velhas, além de proporcionar melhorias nas condições sanitárias e ambientais do município e, consequente, na qualidade de vida da população.
Construção da ETE Matadouro permanece sem avanço e prejudica a saúde pública do município de Sete Lagoas. Crédito: Miguel Aun
Itabirito vai tratar 100% do seu esgoto até o final de 2019
Por outro lado, Itabirito, no Alto Rio das Velhas, tem motivos para comemorar. A SAAE está em plena operação para deixar de jogar cerca de 72 milhões de litros por mês de esgoto no rio Itabirito até o final do ano. Iniciado em 2018, o projeto “Córrego Limpo, Vida Saudável” realiza obras de interligações dos esgotos domiciliares à rede interceptora, monitoramento da água e ações de educação ambiental para conscientizar a população sobre a importância de cuidar do rio Itabirito e dos córregos da cidade.
Desde que o projeto começou, 88% dos córregos São José e Criminoso e 96,8% do córrego Carioca já estão limpos e sem mau cheiro. “Temos 23 bairros na região do córrego de São José e isso representa quase 50% do município. Antes o esgoto desses bairros era todo lançado in natura para o curso d’água. Nós interligamos quase tudo (na rede interceptora)”, explica o engenheiro sanitarista do SAAE, Wanderson Ricardo Murta, responsável pelos esgotos e drenagens na empresa.
Todo o esgoto de Itabirito, coletado nas estações elevatórias em funcionamento, são enviados para a Estação de Tratamento de Esgoto (ETE), no bairro Mazagão, onde passa por várias etapas de tratamento antes de retornar ao curso d’água no rio Itabirito.
Estação de Tratamento de Esgoto (ETE), no bairro Mazagão e curso d´água já beneficiado com o projeto “Córrego Limpo, Vida Saudável”. Crédito: Michelle Parron
MP propõe mudanças na Lei de Saneamento Básico
Texto que está em pauta no Congresso Nacional, a MP (Medida Provisória) que atualiza o Marco Regulatório do Saneamento Básico (MP 868/2018), prevê, entre as mudanças, a autorização da União de participar de um fundo para financiar serviços técnicos especializados para o setor; a determinação de que a regulamentação de águas e esgotos seja de responsabilidade da Agência Nacional de Águas (ANA); e os contratos de saneamento que passariam a ser estabelecidos por meio de licitações, facilitando a criação de parcerias público-privadas.
Esse último acaba com os chamados contratos de programa, mecanismo no qual os municípios contratam empresas estaduais para promover serviços de saneamento básico. Dessa forma, só seria possível realizar novos contratos de concessão através da abertura de licitação, da qual tanto a empresa pública quanto a privada poderá concorrer. Tal ponto tem gerado discussão e pressão inclusive dos 23 governadores de Estados e do Distrito Federal, que tentam revertar o relatório do senador Tasso Jereissati (PSDB-CE). Apenas os governadores de São Paulo, Minas Gerais e Rio Grande do Sul não assinaram a carta que tenta impedir a MP.
Preocupados com as mudanças nas propostas na MP, representantes dos Comitês de Bacias de Minas Gerais debateram, no último FMCBH (Fórum Mineiro de Comitês de Bacias Hidrográficas) a necessidade de intervir no avanço do documento que deverá seguir em votação no Congresso Nacional e decidira, por votação a produção de um documento, representando todos os comitês, que seria endereçado a presidência da república, para que a MP 868/2018 seja retirada de votação. A MP precisa ser votada até 3 de junho de 2019, se não perde a sua validade.
Assessoria de Comunicação CBH Rio das Velhas:
TantoExpresso Comunicação e Mobilização Social
*Texto: Michelle Parron
*Fotos: Michelle Parron, Arquivo SAAE Sete Lagoas, Nivaldo Santos
Comentários