Debate sobre agrupamento dos 36 comitês de bacias hidrográficas de Minas durante crise hídrica, como a enfrentada pelo Rio das Velhas, é alvo de críticas.

“Nunca vi isso daqui assim. Os peixes descem mortos, já apodrecidos. Outros, por cima da água, ficam abrindo a boca no meio daquela borra verde (algas), como se tivessem sufocando dentro da água mesmo. Dá tanta tristeza de ver que quando são muitos, volto para casa sem pescar”. As palavras do aposentado Geraldo Marcelino dos Santos, de 68 anos, em Jequitibá, na Região Central de Minas, mostram como o Rio das Velhas em situação de escassez hídrica tem sua concentração de poluentes ampliada, mata peixes e ameaça o abastecimento.

‘Nunca vi isso daqui assim. Os peixes descem mortos, já apodrecidos. Dá tanta tristeza de ver’, lamenta o aposentado Geraldo dos Santos, morador de Jequitibá – Foto: Paulo Filgueiras/EM/D.A Press

Os bancos de areia que quase bloqueiam o curso reduzido do principal manancial de captação de água (70% da demanda) da Grande BH, as rochas que afloram do leito raso do Rio Pará e a escuridão dos rejeitos que suspenderam as captações do Rio Paraopeba são facetas da crise hídrica que Minas Gerais enfrenta. Mais do que essa situação crítica em comum, que ameaça o abastecimento de 12% dos municípios mineiros (106), os três rios podem passar a pertencer a um só Comitê de Bacia Hidrográfica (CBH).

Em meio a protestos de ambientalistas e especialistas que queriam o fortalecimento das bacias, foi apresentada em maio pelo Instituto Mineiro de Gestão das Águas (Igam) e Sistema Estadual de Meio Ambiente e Recursos Hídricos (Sisema) uma proposta para fundir os 36 CBHs mineiros em 14 unidades, durante a descrição do Plano Estadual de Recursos Hídricos (PERH).

O estudo indica que essa remodelagem traria mais organização na gestão e execução das ações dos CBHs. Já os órgãos, sustentam que cada bacia tem suas particularidades e não podem ser consideradas como se tratassem de uma mesma realidade.

Ameaça de falta de água na Grande BH

O fantasma de uma crise hídrica ronda a Grande BH desde o dia 17, quando a secretária-adjunta de Estado de Planejamento e Gestão, Luíza Barreto, disse que a região pode passar por restrições de utilização de água a partir de março de 2020 devido à interrupção das captações do Rio Paraopeba desde o rompimento da Barragem B1 da Mina Córrego do Feijão, em 25 de janeiro.

Nesta quinta-feira, em audiência na 6ª Vara da Fazenda Pública e Autarquias da capital, Ministério Público, Copasa, Cemig, Poder Judiciário e a mineradora Vale assinaram um Termo de Ajustamento de Conduta (TAC) para que a companhia perfure 50 poços artesianos na capital mineira, além de reativar alguns poços abandonadas pela Copasa, para auxiliar no abastecimento de BH.

O impedimento de se utilizar a água do Rio Paraopeba fez com que o Rio das Velhas, que já é responsável por 70% da água que chega à Grande BH, ficasse sobrecarregado.

Medida emergencial no Velhas

Essa sobrecarga levou a Copasa, o CBH Rio das Velhas e o Igam a pedir para a mineradora Anglogold Ashanti que libere 3 metros cúbicos por segundo (3 m3/s) do sistema Rio do Peixe de sua usina hidrelétrica em Nova Lima, o que representa um incremento de um terço do atual volume do manancial. “Se não fosse isso, já estaríamos enfrentando uma grave crise hídrica.

Proposta é fundir os 36 comitês de bacias hidrográficas de Minas Gerais em 14 unidades – Foto: Paulo Filgueiras/EM/D.A PressEssa foi a nossa última tentativa.

No Rio das Velhas, a montante de Santo Hipólito (porção média do rio), já estamos com restrição de captação, pois há pontos onde o rio ameaça até cortar (perder sua continuidade e se segmentar)”, alerta o presidente do CBH Rio das Velhas, Marcos Vinícius Polignano.

Com a declaração de escassez feita pelo Igam, foi determinada uma redução de 20% das captações para consumo humano, dessedentação animal, 25% para irrigação, 30% consumo industrial e agroindustrial e 50% para as demais finalidades.

O presidente do comitê que é responsável pelo segundo maior aporte de água do rio São Francisco, afirma que a união dos CBHs não traria simplificação na administração das políticas dos rios. “Cada comitê tem problemas que são inerentes àquela região onde a bacia se encontra. Unir os comitês não ajuda a racionalizar a forma de se utilizar os recursos.

Quando o estado coloca isso dessa forma, parece que esse é um problema dos comitês. Mas o problema que enfrentamos é que o Estado não libera os recursos do Fhidro (Fundo de Recuperação, Proteção e Desenvolvimento Sustentável das Bacias Hidrográficas do Estado de Minas Gerais) a que temos direito e que vêm sendo contingenciados há 5 anos”, afirma Polignano.

Segundo o presidente do CBH Rio das Velhas, os comitês foram criados por meio de decretos do executivo estadual, portanto só poderão ser alterados por meio de lei votada na Assembleia Legislativa de Minas Gerais. “Entendemos que isso é um retrocesso em termos de gestão ambiental. Basta ver como esse é um setor fragilizado, vide as crises hídricas e rompimentos de barragens. Os comitês precisariam ser fortalecidos e não enfraquecidos”, disse o presidente do CBH Rio das Velhas.

Secretaria aponta um melhor desempenho

A Secretaria de Estado de Meio Ambiente e Desenvolvimento Sustentável (Semad) defendeu, por meio de nota, que “o processo de modelagem institucional (que mira nos Comitês de Bacia Hidrográfica – CBH) se inicia no reconhecimento da necessidade de rever a forma e a abrangência na implantação dos instrumentos de gestão e aprimorá-los de forma a melhorar o desempenho da política de águas e gerar resultados mais efetivos para a população”.

A proposta de revisão da base territorial, segundo a secretaria, é a primeira etapa da remodelagem.

Consiste em identificar territórios de características similares, possibilitar a revisão dos instrumentos com eficiência e eficácia, de modo a colaborar para melhores resultados finalísticos. “Após isso, propôs-se a análise e revisão do arranjo institucional de forma a contribuir por fim para a eficiência operacional do Sistema Estadual de Gerenciamento de Recursos Hídricos (SEGRH)”, declarou.

Os motivos para esse rearranjo são o grande aporte de recursos em atividades que “não refletem em resultados finalísticos na mesma proporção. A remodelagem dos instrumentos de planejamento: mais pragmatismo e efetividade. Informação de base que atenda a demanda da gestão para tomadas de decisão rápida e mecanismos que possam atuar, junto com os instrumentos de gestão de recursos hídricos, em problemas específicos e na escala adequada”.

Sobre a fusão de 36 CBHs em 14, a Semad informou que é uma proposta de gestão que “tem por objetivo se aproximar ao modelo utilizado na França”, que a pasta considera, por ter uma área territorial próxima a área do estado de Minas Gerais, pode servir de inspiração, sendo que lá são seis unidades territoriais de gestão, as quais são em média 2,16 vezes a área da proposta em discussão no Estado.

“O comitê com maior abrangência territorial se fortalece enquanto ente estratégico de planejamento integrado do território. Por outro lado, a proposta apresenta a possibilidade, como ocorre na França, mas também no estado do Ceará, das criações de comissões gestoras locais de recursos hídricos para tratarem processos específicos de uma microbacia. Esse modelo gera maior efetividade por trabalhar de fato na escala do conflito de água que pode ocorrer com questões de qualidade ou quantidade”.

 

*Fonte: Marcelo Parreiras/Estado de Minas

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