Mesmo após ter estabelecido a crise hídrica como um dos temas centrais do debate público atual, o governo de Minas não vem repassando recursos previstos por lei para o funcionamento dos Comitês de Bacias Hidrográficas do Estado. Até o momento, os órgãos deixaram de receber cerca de R$ 20 milhões que foram parar no caixa único do Executivo estadual. Dinheiro que deveria ter sido investido em ações de preservação de rios e nascentes e na implementação de outros projetos ambientais.
Os valores destinados para os comitês que já possuem Plano Diretor são oriundos da cobrança pelo uso da água. A taxa é paga por consumidores de grande porte, como empresas, mineradoras e a própria Copasa, via boleto emitido pelo Estado.
“Com essa crise hídrica e dependendo cada vez mais dos nossos rios, não temos condições de desenvolver ações de revitalização por falta de recursos é um contrassenso”, afirma o presidente do Comitê da Bacia Hidrográfica do Rio das Velhas, Marcos Vinícius Polignano.
Apenas para o comitê do Rio Velhas, o Executivo estadual deve cerca de R$ 5 milhões, referentes à parte de uma parcela do ano passado e mais duas deste ano. Os valores são, ou pelo menos deveriam ser, repassados trimestralmente para os órgãos. “O Estado está fazendo um contingenciamento dos recursos, usando de forma ilegal um dinheiro que não pertence a ele”, ressalta Polignano.
Por causa dessa situação, todo um processo de revitalização em curso no rio das Velhas está em risco. “Não é só chuva, se não tivermos rios com vitalidade, não vamos ter água. Precisamos de rios vivos, e isso passa pela revitalização recuperação e proteção de nascentes”, alerta o presidente do órgão.
Outro grande comitê de Minas que também está a ver navios é o da Bacia do Rio Doce. Os repasses que deixaram de ser transferidos para o órgão já chegam a mais de R$ 10 milhões.
“O governo cobra pelo uso da água e é feito um planejamento pelo comitê com base nessa receita. Quando esse recurso não chega, não temos condições de executar o que foi planejado. Estamos em outubro e não recebemos nem um centavo ainda”, reclama o presidente do Comitê da Bacia Hidrográfica do Rio Doce, Leonardo Deptulski, que é prefeito da cidade de Colatina, no Espírito Santo.
Paradoxo
A despeito das medidas de prevenção, o Estado anunciou recentemente uma obra que vai ampliar a captação de água em Brumadinho, na região metropolitana. Comemorada pelas autoridades, a intervenção foi classificada como a solução para a questão do abastecimento na Região Metropolitana de Belo Horizonte nos próximos 20 anos.
Investir nesse tipo de empreitada e reter recursos para a revitalização dos rios, que são a fonte dessa captação, é visto como um paradoxo pelo presidente do comitê do Velhas. “Precisamos pensar que não temos só que fazer gestão de reservatório. O nosso problema não é reservatório, é rio. Estamos literalmente acabando com os rios”, avalia Marcos Vinícius Polignano.
Governo admite falta de repasse milionário, mas nega contingenciamento de recursos
O governo do Estado confirmou que está em dívida com os comitês e que o montante a ser repassado gira em torno de R$ 21 milhões. Apesar de admitir que está em atraso com o compromisso, o Executivo alega que dá atenção especial ao problema e refuta a condição de contingenciamento, apesar de não explicar o motivo de o dinheiro não ter chegado ao destino e onde ele foi parar.
Em nota, o governo informou que “com relação ao repasse de recursos para os Comitês de Bacias Hidrográficas, primeiramente é importante esclarecer que os repasses estão em atraso desde junho de 2014”. Apesar disso, o Estado afirma que “não existe contingenciamento de recursos, tanto que os valores referentes ao 3º e parte do 4° trimestre de 2014 foram repassados em julho deste ano às Agências de Bacias Hidrográficas, o que mostra que a atual administração trata a questão como uma de suas prioridades”.
Ainda de acordo com o Estado, a previsão é que o saldo devedor seja quitado até o mês de dezembro com todos os onze comitês que deixaram de receber os recursos provenientes da taxa cobrada pelo uso da água.
Impacto
O prejuízo da falta de repasses para os comitês de bacias hidrográficas, com reflexo óbvio na revitalização e preservação dos rios, atinge também outros projetos sob responsabilidade dos órgãos. No caso do Comitê do Rio Doce, o problema pode gerar impactos para mais de 150 prefeituras mineiras.
É o comitê que está produzindo o Plano Municipal de Saneamento Básico (PMSB) de dezenas de cidades em Minas. A entrega dos projetos foi prorrogada pelo governo federal e a data limite é o dia 31 de dezembro deste ano. Caso o projeto não seja entregue dentro do previsto, o município poderá ficar sem verba da União para investimentos nesse setor.
“Estamos tentando honrar aquilo que já foi contratado para execução dos planos das prefeituras. Mas precisamos pagar pelo trabalho contratado, o que não é possível se o recurso não for repassado pelo Estado”, afirma o presidente do Comitê da Bacia Hidrográfica do Rio Doce, Leonardo Deptulski, que é prefeito da cidade de Colatina, no Espírito Santo.
O PMSB abrange o planejamento a longo prazo dessas áreas para investimento em obras de abastecimento de água potável, coleta e tratamento de esgoto, limpeza urbana, manejo de resíduos sólidos e drenagem e manejo de águas pluviais.
Fonte: Hoje em Dia
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