A crise mundial de saúde pública, que se instaurou com a proliferação da doença provocada pelo Coronavírus, escancara uma deficiência que enfrentamos no Brasil, que é o acesso ao saneamento básico. Os serviços de distribuição de água e tratamento do esgoto por aqui não atendem a todos os brasileiros, deixando regiões mais vulneráveis não só ao vírus, como a outras doenças.
Segundo o Instituto Trata Brasil, 83,62% dos brasileiros são atendidos com abastecimento de água tratada. Parece muito, mas essa porcentagem deixa de lado quase 35 milhões de pessoas sem poder contar com um serviço básico necessário para prevenção ao COVID-19. Já com relação ao esgoto, o número também é mais alarmante. Apenas 46% dos esgotos do país recebem tratamento adequado. “Cerca de 20% da população vive em grandes vilas e favelas com deficiência de saneamento. Ou seja, nós temos uma dívida sanitária enorme, o que deixa nossa população altamente vulnerável. Essa crise está mostrando o quanto as políticas públicas neste país ficaram defasadas, o quanto que a gente passou a investir menos em questões sociais e proteger menos a sociedade”, aponta Marcus Vinicius Polignano, presidente do Comitê da Bacia Hidrográfica do Rio das Velhas (CBH Rio das Velhas), que é médico e professor da UFMG com mestrado em Epidemiologia e doutorado em Pediatria Social.
Para Polignano, a pandemia está jogando holofotes nas várias crises dos nossos serviços públicos, que atingem, principalmente, a população mais pobre. “Nós temos uma crise com relação ao sistema de saúde, com relação a leitos de UTI [Unidade de Terapia Intensiva] e nós temos uma crise também com relação a falta de saneamento em condições suficientes para todos”.
Lançamento de esgoto no Ribeirão Onça, em Belo Horizonte. Foto: Michelle Parron
Belo Horizonte tem números mais otimistas com relação a distribuição de água e tratamento de esgoto. São cerca de 97% da população urbana abastecida com água tratada e por volta de 80% das pessoas podem contar com o tratamento do esgoto. “Temos regiões onde a questão do abastecimento e o tratamento de esgoto ainda são um problema. O fato de termos uma condição geral da cidade relativamente boa não nos impede de ter a existência de locais onde essa vulnerabilidade se mostra. E, portanto, mostra uma ineficiência ainda na universalização desse serviço para todos, de garantir isso como um direito de cidadania”, diz Polignano.
Neste momento é indispensável que as empresas de abastecimento de água mantenham a rede de distribuição funcionando normalmente para proteger a saúde das pessoas, já que água e sabão são elementos fundamentais no combate ao vírus. “Garantir o acesso a água hoje é fundamental. Então é preciso que a Copasa [Companhia de Saneamento de Minas Gerais] e outras concessionárias que cuidam do abastecimento estejam atentas para que a água não falte neste momento”, explica o presidente do CBH Rio das Velhas.
Esgoto pode ajudar a mapear coronavírus
Um grupo de pesquisadores que integram o Instituto Nacional de Ciência e Tecnologia (INCT) ETEs, com sede na UFMG, está preocupado com a possibilidade da disseminação do coronavírus por meio do esgoto. Em nota técnica publicada pelo INCT, os pesquisadores mencionaram um estudo que está na revista britânica Lancet Gastroenterol Hepatol (vol. 5, abril/2020) que há a constatação da presença de vírus nas fezes de pacientes infectados com o Covid-19.
Nas próximas semanas, esses mesmos pesquisadores vão realizar um mapeamento epidemiológico. A ideia é coletar amostras de esgoto na Região Metropolitana, mapeando 20 pontos ao longo dos Ribeirões Onça e Arrudas. Ainda não é possível dizer se o vírus encontrado nas fezes e no esgoto é capaz de continuar a transmitir a doença, mas a pesquisa poderá ajudar a identificar as regiões onde há maior ocorrência.
Assessoria de Comunicação CBH Rio das Velhas:
TantoExpresso Comunicação e Mobilização Social
Texto: Michelle Parron
Fotos: Michelle Parron e Ohana Padilha
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