Na noite desta quinta-feira (28), o Subcomitê Águas do Gandarela, do Comitê da Bacia Hidrográfica do Rio das Velhas (CBH Rio das Velhas) realizou uma reunião extraordinária em Raposos, município que fica na Região Metropolitana de Belo Horizonte (RMBH) e integra o Quadrilátero Ferrífero do Estado. O objetivo da reunião foi promover o encontro da população com a mineradora AngloGold Ashanti para que pudessem esclarecer sobre os riscos, planos de emergências e outros impactos da empresa na cidade. Terceira maior produtora de ouro do mundo, hoje a AngloGold é responsável pelas barragens de Cocoruto, Calcinados e Rapaunha, próximas ao município.

A preocupação dos moradores de Raposos começou em novembro de 2018, quando a AngloGold passou a instalar sirenes de segurança no município. Em reunião realizada pelo Subcomitê no dia 19 de dezembro de 2018, com a presença da população e dos funcionários da empresa, foi acordado que os diversos questionamentos levantados pelos moradores da cidade fossem respondidos pela mineradora.

Segundo o coordenador do Subcomitê, Felipe Cabral, o documento com as perguntas da população foi enviado no dia 11 de fevereiro para que a mineradora fizesse a devolutiva que incluísse, dentre outros esclarecimentos, a apresentação do seu Plano de Ação de Emergência para Barragens de Mineração (PAEBM). Sem qualquer retorno ao Subcomitê, a empresa só entrou em contato com o CBH Rio das Velhas no dia 26 de fevereiro, informando que não compareceria a reunião. “Eu acho que tem que ter respeito com o Subcomitê, com a população, que são pessoas que potencialmente podem ser atingidas. A partir do momento que você sabe que, se a barragem romper, a sua casa vai ser inundada, que a escola que o seu filho estuda vai ser atingida, talvez já seja um impacto tão grande quanto um rompimento. Mas parece que a empresa faz pouco caso. É falta de respeito com as pessoas a postura que ela adotou”, explica Cabral sobre a falta de retorno da AngloGold.

População de Raposos teme rompimentos de barragens. Crédito: Michelle Parron

O Ministério Público de Minas Gerais (MPMG) também foi convidado para a reunião dessa quinta-feira com objetivo de informar sobre barramentos e os processos envolvidos, como o inquérito civil instaurado à respeito da denúncia realizada em 2017 sobre o risco de rompimento da barragem de rejeito de Rapaunha, da Anglogold. O MPMG não esteve presente na reunião, mas enviou um ofício de resposta ao convite.


Leia o ofício do Ministério Público:

 


Entre angústias, dúvidas e a falta de informação, a população teme que as recentes tragédias com os rompimentos das barragens da Vale, em Brumadinho, e da Samarco, em Mariana, se repita em Raposos. As pessoas deixaram claro que não sabem qual seria o plano emergencial da mineradora, qual a situação real da segurança das barragens, quanto tempo demoraria para que o rejeito chegasse às casas do município, o que a população deveria fazer com o toque da sirene e nem mesmo qual seriam os seus destinos, caso uma das barragens rompesse levando embora seus patrimônios e pertences. Sem falar que temem pelas doenças que podem ser causadas no contato com os metais pesados e tóxicos presentes no rejeitos.

O gerente de licenciamentos e assuntos regulatórios da AngloGold, Lauro Amorim, explicou que as barragens de rejeito da mineradora próximas a Raposos são à jusante, modelos diferentes das barragens da Vale e Samarco, que romperam. Questionado sobre a alternativa de retirada de parte do rejeito das barragens, o gerente explicou que não há um plano previsto para retirada desse rejeito, que hoje está em 17 milhões de metros cúbicos, também não tem resposta sobre um possível deslocamento da população, caso seja detectado o risco de rompimento da barragem, como foi também indagado pela população.

Interrogado em relação a segurança das barragens, o gerente de geotecnia da AngloGold, Márcio Mansur, afirma que no nível de zero a dez, as barragens da mineradora estão em nível dez de segurança.

Em julho de 2019 está previsto o primeiro teste de simulação de rompimento de barragens com a população, o que trouxe o sentimento de preocupação e revolta por parte dos moradores, já que vão ter que conviver por alguns meses com as incertezas de como agir em caso de um rompimento.

“A questão não é se vai romper ou não. A questão é quando. Toda estrutura construída pelo homem, se não tem manutenção, ela vai ruir. Como acreditar que a empresa está tomando as medidas necessárias?”, desabafa Cabral, coordenador do Subcomitê.

Em atividade na região desde 1982, a AngloGold Ashanti tem previsão de continuar a exploração de minério até 2032, data que pode ser alterada de ano em ano, de acordo com a mineradora.

Próximas ações

Com a presença expressiva da câmara de vereadores da cidade na reunião, foi sugerido pelos próprios vereadores a realização de uma Audiência Pública que vai colocar a mineradora e a população juntas novamente e proporcionar uma nova oportunidade para mais questionamentos e esclarecimentos.

Já o Subcomitê ficará responsável por solicitar documentos da Anglo Gold Ashanti e do Ministério Público para apresentar a população e realizará uma nova reunião em abril. Durante o encontro ficou acordado que os moradores entrarão em contato com o CBH Rio das Velhas para enviarem suas dúvidas que não foram sanadas durante a reunião e o comitê vai cobrar o retorno da mineradora.

Veja as fotos da reunião:

<a href="https://flic.kr/s/aHsmwa1EwC" target="_blank">Click to View</a>

Silicose: Uma herança difícil de esquecer

Muitos os moradores que estavam presentes na reunião convivem com o drama de terem familiares mortos ou doentes por Silicose, doença irreversível contraída pelos mineiros ao inalarem o pó da sílica durante o trabalho com as escavações nas minas do Complexo Morro Velho. Com origem das atividades em 1725 e encerramento em 2003, o complexo está localizado nos municípios de Nova Lima e Raposos, e hoje pertence a AngloGold Ashanti. No século XX foi tido como o principal complexo aurífero do Brasil.

O pai de Jorge Pires, que foi mineiro do Morro Velho, é uma das vítimas da atividade minerária. Há mais de 30 anos ele vive à base de remédios pagos pela empresa e chegou a receber indenização há alguns anos devido a contração da doença. “Eu não queria dinheiro nenhum, eu queria a saúde do meu pai. Eu também sou silicótico, mas perdi na causa. Para mim essa AngloGold, ou que seja Morro Velho, é assassina há muitos anos, é assassina há séculos”, desabafa o morador.

Para saber mais sobre o assunto, assista o documentário “Tantos e Quantos: os Mineiros do Morro Velho”, gravado em Raposos, que traz os dilemas, as memórias e a luta das famílias pela indenização e reconhecimento dos mineiros de Morro Velho.

 

Assessoria de Comunicação CBH Rio das Velhas:
TantoExpresso Comunicação e Mobilização Social
Texto: Michelle Parron
Fotos: Michelle Parron

Comentários