Saiba quais os principais impactos que o descarte inadequado dos resíduos sólidos podem ocasionar na qualidade da água.
A água é o principal recurso do planeta. Preservá-la significa garantir a manutenção da vida. No entanto, grande parte dos reservatórios hídricos superficiais já foram alterados pela atividade humana. O nosso nível de degradação já está tão alto que, até os nossos reservatórios subterrâneos, estão com a qualidade da água comprometidos.
Boa parte desses problemas tem sido desencadeada pela má gestão dos resíduos sólidos, ou lixo – conceito popularmente conhecido. Quando não há uma preocupação com o gerenciamento dos resíduos, é preciso ter uma atenção maior no tratamento das águas de abastecimento público.
A questão do lixo corresponde diretamente ao modelo de desenvolvimento dominante no país. É este modelo que pode incentivar o consumo desenfreado. Se esse incentivo ocorrer sem uma adequada gestão dos resíduos, diversos impactos no meio ambiente podem ser gerados.
De acordo com o Plano Diretor de Recursos Hídricos (PDRH) do Comitê da Bacia Hidrográfica do Rio das Velhas (CBH Rio das Velhas), a principal causa da poluição das águas da bacia são os efluentes urbanos da Região Metropolitana de Belo Horizonte (RMBH), seguido pelos efluentes das mineradoras e demais indústrias. Paralelamente, há o problema dos resíduos sólidos urbanos e industriais e, a forma inadequada do destino final aliada à ineficiência da coleta, colocam em risco a saúde pública e tornam possível a contaminação de cursos d’água e/ou do lençol subterrâneo.
O ciclo do lixo não começa no descarte. Especialistas apontam que ele é muito mais extenso do que se imagina. É preciso pensar desde a fase do consumo, quando se escolhe um produto, tendo em vista suas possibilidades de reciclagem. “Para usar um exemplo simples, quando você compra um sapato. Atualmente, andamos cada vez menos a pé e gastamos menos os sapatos, o que os fazem durar cada vez mais. Além disso, precisamos apenas de um par de sapatos para cumprir nossa necessidade básica de andar calçado. No entanto, quantos pares de sapatos você possui?”, questiona o professor do departamento de Engenharia Sanitária e Ambiental da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), Raphael Tobias de Vasconcelos Barros.
Para ele, o ideal é iniciar o ciclo do lixo antes mesmo da compra do produto. “A gestão de resíduos preconiza uma hierarquia que tem como primeira ideia a de não produzir o resíduo sólido. Se isso não for possível, que ao menos se diminua a produção. Depois disso, você pega o resíduo produzido e parte para a reciclagem. O passo seguinte é tratar o resíduo restante para que não agrida a natureza. E só então, quando não dá pra fazer mais nada com o restante deste rejeito, é que você parte para o modo sanitário, enterrando ou aterrando de forma controlada”, explica.
A equação é muito simples. O ideal, segundo Raphael Barros, é que esse lixo se transforme 100% em recurso e 0% em rejeito. Mas como alcançar o ideal diante da parcela inexpressiva de lixo que é reciclado atualmente?
A saída é transformar a reciclagem em hábito e o lixo em possibilidades. Mas além disso, Raphael Barros diz que o poder público também deve agir como transformador e criar meios de induzir a população a adotar a sustentabilidade como preceito básico. “Nós cidadãos precisamos ser mais altruístas. A gente precisa de uma motivação qualquer para fazer as coisas e quem deveria dar essa motivação é o poder público, já que ele foi constituído para zelar pelo bem comum. Não eximindo a responsabilidade individual. Cada um pode ter a sua própria atitude de respeito, iniciativa, colaboração e solitude ao meio ambiente, porque isso é bom pra todo mundo”, disse.
O incentivo pode vir em forma de intensivas campanhas de reciclagem, como acontece no Japão, país que já atingiu o ápice de 80% de lixo reciclado, ou mesmo dando descontos a quem recicla, como acontece em Barretos (SP) desde 2010, quando a prefeitura passou a abater parcialmente o IPTU dos moradores que adotam a coleta seletiva.
Para o biólogo com doutorado em Limnologia e professor visitante da Universidade Federal de São João del Rei (UFSJ), Ricardo Motta Pinto Coelho, uma gestão dos resíduos sólidos eficiente é de suma importância para que tenhamos água em quantidade e qualidade. “Vem ocorrendo um aumento na produção de resíduos sólidos, tanto em quantidade como em diversidade, principalmente nos grandes centros urbanos. Além do acréscimo na quantidade, os resíduos produzidos atualmente passaram a abrigar em sua composição elementos sintéticos e perigosos aos ecossistemas e à saúde humana, em virtude das novas tecnologias incorporadas ao cotidiano. Boa parte dos resíduos produzidos atualmente não possui destinação sanitária e ambientalmente adequada. Embora tenha havido progresso nos últimos 20 anos, os resíduos ainda são depositados em vazadouros a céu aberto, os chamados lixões, em mais da metade dos municípios brasileiros”, comenta.
Além disso, Ricardo Coelho explica que a complexa estrutura institucional sobre a qual se fundamenta a gestão dos recursos hídricos no país não está subordinada a um planejamento estratégico único e integrado que é a característica essencial da governança das águas. “Na realidade, a gestão dos recursos hídricos tem sido caracterizada por uma grande “pulverização” de ações em diversos ministérios, muito corporativismo, pouco enfoque real na bacia hidrográfica em detrimento dos municípios, ausência de políticas de estado em favor de políticas de governo que estão mudando a cada novo ciclo eleitoral”, comentou.
Ricardo Coelho finalizou dizendo que o manejo adequado dos resíduos é uma importante estratégia de preservação do meio ambiente, assim como de promoção e proteção da saúde. “Uma vez acondicionados em aterros, os resíduos sólidos podem comprometer a qualidade do solo, da água e do ar, por serem fontes de compostos orgânicos voláteis, pesticidas, solventes e metais pesados, entre outros. A decomposição da matéria orgânica presente no lixo resulta na formação de um líquido de cor escura, o chorume, que pode contaminar o solo e as águas superficiais ou subterrâneas pela contaminação do lençol freático. Os locais de armazenamento e de disposição final tornam-se ambientes propícios para a proliferação de vetores e de outros agentes transmissores de doenças. Pode haver também a emissão de partículas e outros poluentes atmosféricos, diretamente pela queima de lixo ao ar livre ou pela incineração de dejetos sem o uso de equipamentos de controle adequados. De modo geral, os impactos dessa degradação estendem-se para além das áreas de disposição final dos resíduos, afetando toda a população”, afirmou.
Saber dar destinação adequada aos resíduos é dever de todos! Os especialistas dizem que as pessoas devem tomar a iniciativa de destiná-los corretamente, evitando, a todo custo, sua disposição final inadequada. É preciso contribuir com a coleta seletiva a partir da própria residência, envolvendo toda a família na separação dos resíduos. Estes separação poderá ocorrer entre os recicláveis dos não recicláveis ou orgânicos (úmidos) dos inorgânicos (secos). Quando isso acontece, beneficia toda a população e contribui para diminuir os resíduos que são coletados diariamente nas cidades.
O que diz a Lei
A lei sobre a Política Nacional de Resíduos Sólidos, de agosto de 2010, preconiza a “não geração, redução, reutilização, reciclagem e tratamento dos resíduos sólidos, bem como disposição final ambientalmente adequada dos rejeitos”, o “estímulo à adoção de padrões sustentáveis de produção e consumo de bens e serviços” e ainda a prioridade nas aquisições e nas contratações governamentais para produtos reciclados e recicláveis.
Em Belo Horizonte, o índice ideal de coleta seletiva ainda está longe de ser alcançado. Para os cerca de 2,5 milhões de habitantes, a gestão municipal disponibiliza apenas 85 contêineres de coleta seletiva pela cidade. Já a coleta seletiva porta a porta, serviço também disponibilizado pela prefeitura, só chega a 34 dos quase 500 bairros da cidade.
Como instrumento para fazer valer a norma, foi determinada ainda a criação regionalizada de planos de gestão e gerenciamento de resíduos sólidos. O da capital mineira ainda não foi finalizado e deve ser um objeto de estudo que irá levar pelo menos 20 anos, segundo o órgão responsável.
Jequitibá e Nova União implementam a coleta seletiva
Coleta seletiva é o termo utilizado para o recolhimento dos materiais que são possíveis de serem reciclados, previamente separados na fonte geradora. Entre estes materiais recicláveis estão os diversos tipos de papéis, plásticos, metais e vidros. A separação do lixo evita a contaminação dos materiais reaproveitáveis, aumentando o valor agregado destes e diminuindo os custos de reciclagem.
Pensando nisso, a prefeitura de Jequitibá, no Médio Alto Rio das Velhas, lançou em outubro de 2018 seu Programa de Coleta Seletiva em parceria com Associação de Catadores de Materiais Recicláveis de Baldim (Comarb). Segundo a coordenador-geral do Subcomitê Ribeirão Jequitibá e secretária municipal de Meio Ambiente, Poliana Valgas, Jequitibá produz aproximadamente 500 toneladas de lixo por ano. Ela acredita que inicialmente 30% desse total possa ser reciclado. “Nosso objetivo é diminuir os resíduos que vão para o aterro sanitário, que atualmente fica em Sabará, a 200 Km de Jequitibá. Pagamos a logística e o enterro desse lixo. Com a reciclagem, teremos ganho financeiro com a redução de custos, ambiental com o reaproveitamento de parte do lixo e social com a geração de emprego e renda por meio da parceria feita junto à Associação de Catadores de Materiais Recicláveis de Baldim”, afirma a secretária.
Para colaborar, basta cada um fazer a sua parte e separar o lixo seco do lixo úmido, descartando nos dias certos de coleta. “Esses resíduos, que muitas vezes são vistos como lixo, têm valor para muitas pessoas que trabalham com esses materiais. A partir do momento em que eu começo a reciclar, é menos recurso natural sendo usado para produzir outros materiais”, conclui Poliana Valgas.
Já no município de Nova União, há três anos, a Associação dos Catadores de Materiais Recicláveis de Nova União (Unicicla), além de gerar trabalho e renda para os catadores da cidade, colabora para a preservação da bacia hidrográfica do rio Taquaraçu, na região do Médio Alto Rio das Velhas. Entidade integrante do Subcomitê Rio Taquaraçu, vinculado ao CBH Rio das Velhas, a associação destina os resíduos da coleta seletiva do município de Nova União à indústrias de reciclagem.
Representante da entidade no Subcomitê Rio Taquaraçu, o diretor da Unicicla, Anderson Viana, destacou a importância da coleta seletiva no território. “Geramos renda para o município, criamos oportunidades de trabalho e diminuímos o lixo no aterro sanitário. Acreditamos que ao fazer a coleta seletiva damos o destino correto aos resíduos sólidos e ajudamos na preservação do meio ambiente. A Unicicla recolhe uma média de 9 a 12 toneladas de resíduos por mês e tudo é destinado a reciclagem”, afirmou.
Em meio a esse contexto, ele falou da importância do diálogo constante entre a Unicicla e o Subcomitê Rio Taquaraçu e CBH Rio das Velhas. “Sou membro suplente do Subcomitê desde 2016, época que criamos a associação. Tenho conversado muito com o presidente do CBH Rio das Velhas [Marcus Vinícius Polignano] sobre a temática da coleta seletiva. O Comitê já está sensibilizado sobre o tema e espero que consigamos mostrar como a coleta seletiva contribui para a melhora da qualidade da água dos cursos d’água”, disse.
Assessoria de Comunicação CBH Rio das Velhas:
TantoExpresso Comunicação e Mobilização Social
*Texto: Luiza Baggio
*Fotos: Fernando Piancastelli
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