Região que abastece a Grande BH abriga inúmeros remanescentes naturais, mas convive há décadas com a ameaça da mineração e expansão imobiliária.

O território no qual atua o Subcomitê da Bacia Hidrográfica (SCBH) Águas da Moeda é marcado por um mar de montanhas que compõem uma das mais belas paisagens do estado mineiro. Na região, há a presença de inúmeras nascentes, cachoeiras, corredeiras, córregos e grande diversidade da flora e da fauna. Tudo isso enchem os olhos de todos que por lá passam.

A Unidade Territorial Estratégica (UTE) Águas da Moeda localiza-se na região do Alto Rio das Velhas e é composta, predominantemente, pelo município de Nova Lima e por trechos dos municípios de Itabirito, Raposos, Rio Acima e Sabará. A unidade possui uma área de aproximadamente 545 km² e sua população é de cerca de 90 mil habitantes.

Os principais cursos d’água da região são o Rio do Peixe e as importantes microbacias do Ribeirão Macacos e Ribeirão Mutuca, que acolhem duas importantes captações da Copasa (Companhia de Saneamento de Minas Gerais), Mutuca e Fechos, que colaboram para o abastecimento público de toda a Região Metropolitana de Belo Horizonte (RMBH). “Mais de 1 milhão de estabelecimentos em Nova Lima e região Sul de Belo Horizonte são abastecidos com essas águas. Além disso, o Córrego do Enforcado, em Nova Lima, juntamente com alguns poços localizados na região, têm uma participação de 29% no abastecimento público do município de Rio Acima”, explicou a coordenadora-geral do Subcomitê Águas da Moeda, Simone Bottrel.

Ainda segundo ela, o município de Nova Lima conta com Plano Municipal de Saneamento Básico (PMSB), mas ainda não possui políticas públicas que assegurem o total tratamento do esgoto. Assim, apenas 6% do esgoto é coletado e tratado.

Nas estações de amostragem da qualidade das águas operadas pelo Instituto Mineiro das Águas (IGAM), o Rio das Velhas – nas estações Lagoa Grande, represa das Codornas, Rio do Peixe, Córrego da Barragem, Ribeirão Água Suja e Córrego Mina D’água – é enquadrado como Classe 2 (águas destinadas ao abastecimento doméstico após tratamento convencional). O Ribeirão Macacos, por sua vez, é Classe 1 (destinadas ao abastecimento doméstico após tratamento simples). Já as barragens do Ribeirão dos Fechos e Mutuca são Classe Especial (destinada ao consumo humano, abastece os domicílios sem prévia ou com simples desinfecção).

De acordo com Bottrel, a região de atuação do Subcomitê Águas Moeda possui muitos impactos, dentre eles o risco de rompimento de barragens e a retirada de vegetação nativa por parte de empreendimentos imobiliários, mineradoras e comerciantes ilegais. “Há também a degradação de cursos d’água por parte da população e de empresas que lançam resíduos sólidos e esgoto nos rios, e quando detectadas são apenas multadas. Por fim, há o descuido de muitos motoristas que brincam em nascentes, rios e trilhas sem perceber o quanto isso também impacta as bacias hidrográficas”, revela.

Os dois lados da Moeda

O Sinclinal Moeda pode ser considerado uma verdadeira caixa d’água, responsável por contribuir e alimentar nascentes e importantes afluentes nas Bacias Hidrográficas dos Rios das Velhas e Paraopeba, ambos afluentes do São Francisco. As duas bacias juntas são responsáveis por 100% do abastecimento público da RMBH.

Com o objetivo de debater a relação entre o crescimento econômico e a produção de água no Sinclinal Moeda e discutir os potenciais hídricos, pressões ambientais e impactos no território, em 2016, os Comitês das Bacias Hidrográficas do Rio das Velhas e Rio Paraopeba promoveram o seminário ‘Os dois lados da Moeda’. Na ocasião, Wilfred Brandt, Diretor da Brandt Meio Ambiente e Fundação Alexander Brandt, explicou que o Sinclinal Moeda é um lugar onde se guarda água por meio de suas formas geológicas. “A geologia e a geomorfologia do Sinclinal Moeda condicionam uma grande variabilidade nas condições ambientais”, explicou.

Por um lado, o Sinclinal Moeda tem uma importância vital para a produção de água na região do Alto Rio das Velhas. Por outro lado, sofre com a pressão da mineração, do interesse imobiliário e das vantagens econômicas associadas aos recursos naturais existentes.

O Sinclinal Moeda está localizado na Serra do Espinhaço e possui uma extensão que abrange nove municípios mineiros: Brumadinho, Moeda, Belo Vale, Jeceaba, Congonhas, Itabirito, Rio Acima, Nova Lima e Ouro Preto. Além disso, abriga Unidades de Conservação de Proteção Integral, como o Parque da Serra do Rola Moça, a Estação Ecológica de Fechos, o Monumento Natural da Serra da Moeda, a Estação Ecológica de Arêdes e o Monumento Natural Municipal da Serra da Calçada.

Ribeirão Macacos em Honório Bicalho, distrito de Nova Lima (à esquerda). Águas da região são fundamentais para o abastecimento da Grande BH. Na foto o Sistema Rio das Velhas – Bela Fama, da Copasa (à direita).

O crescimento imobiliário e a produção de água

No Vetor Sul da RMBH, o projeto CSul pretende criar espaços habitacionais, comerciais, industriais, de logística e tecnologia numa área de 2.015,30 hectares em Nova Lima, no entroncamento das rodovias federais 040 e 356, entre a Lagoa dos Ingleses e a Serra da Moeda. A previsão de ocupação é de mais de 150 mil pessoas e com uma demanda de 2.300.000 m³ de água por mês na sua capacidade máxima.

Porém, dúvidas giram em torno da viabilidade do megaempreendimento, já que garantias no que dizem respeito à segurança hídrica foram questionadas. Em maio do ano passado, representantes do CBH Rio das Velhas, CBH Rio Paraopeba, Ibama (Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis), ONG AMDA (Associação Mineira de Defesa do Ambiente), OAB-MG, Faculdade Milton Campos, prefeitura de Brumadinho e moradores do entorno apresentaram ponderações em relação à ausência de estudos de impacto ambiental específicos para o Parque Estadual do Rola Moça e Monumento Natural Serra da Calçada, de uma sobreposição do empreendimento às zonas de amortecimento das unidades de conservação e corredores ecológicos, da inobservância do rito processual adequado do licenciamento e que a própria existência do empreendimento põe em risco e não observa os objetivos da criação das unidades de conservação.

“Enquanto Comitê de Bacia, a gente ainda continua extremamente preocupado porque as questões levantadas em relação à disponibilidade hídrica verdadeiramente não foram respondidas. No nosso entendimento, a segurança hídrica da RMBH, e até mesmo da própria população que vai habitar o empreendimento, estão ameaçadas. Mesmo que renováveis, os recursos hídricos são esgotáveis, por isso a nossa preocupação com a explotação do aquífero”, afirmou o presidente do CBH Rio das Velhas, Marcus Vinícius Polignano.

No final do mês de junho do ano passado, o juiz Rodrigo Heleno Chaves, titular da 2ª Vara Cível da Comarca de Brumadinho, concedeu liminar em Ação Civil Pública ajuizada pela ONG Abrace a Serra da Moeda que tinha como pedido impedir a discussão e deliberação de pedido de licença ambiental à CSUL, em reunião do Conselho de Política Ambiental Estadual (COPAM), em razão da ausência de estudos prévios conclusivos sobre a disponibilidade hídrica da região.

Assim, foi determinada a retirada de pauta do pedido de licença prévia e a obrigação para a Secretaria de Estado de Meio Ambiente e Desenvolvimento Sustentável (SEMAD) se abster de pautar o pedido “até que sejam concluídos os estudos de disponibilidade hídrica do empreendimento (pautando-se na análise integrada das demandas presentes e projetadas na região afetada)”.

Cachoeira que se forma na foz do rio do Peixe, em seu encontro com o Velhas (à esquerda). Previsão é de que o megaempreendimento CSul receba mais de 150 mil pessoas e demanda 2,3 milhões de m³ de água por mês na sua capacidade máxima (à direita).

Mineração que ameaça

Com uma área de 4 mil hectares, o Parque Estadual da Serra do Rola Moça é o terceiro maior parque urbano do país. Foi criado em 1994, visando à proteção da biodiversidade e dos cursos d’água Taboão, Rola Moça, Barreirinho, Barreiro, Mutuca e Catarina, que servem ao abastecimento da população da região metropolitana.

Porém, na contramão de tudo isso, o Conselho Consultivo do Parque do Rola Moça deu o aval, ao final de 2018, para a ativação de três minas de exploração de minério de ferro no entorno da Unidade de Conservação, com a supressão de três hectares de mata. A decisão aconteceu um dia após o Ministério Público de Minas Gerais também se posicionar firmemente contra a decisão das pessoas e entidades que compõem o Conselho.

Diante de mais este consentimento, o CBH Rio das Velhas anunciou que não mais ocupará cadeiras nos Conselhos Consultivos do Parque Estadual da Serra do Rola Moça e da Área de Preservação Ambiental Sul da Região Metropolitana de Belo Horizonte (APA Sul). “Quando aceitamos uma cadeira nesses conselhos, entendemos que tínhamos uma finalidade comum que era principalmente a questão da preservação dos recursos hídricos. Mas, a gente se viu extremamente pautado por processos de licenciamento, mais até do que em discussões sobre a preservação dessas áreas, o que na minha avaliação é uma distorção da própria finalidade do conselho”, afirmou o presidente do CBH Rio das Velhas, Marcus Vinícius Polignano.

Serra da Moeda, próximo a divisa dos municípios de Nova Lima e Itabirito. 

Preservar para não secar

Nos últimos anos, o território da UTE Águas da Moeda vem recebendo projetos hidroambientais e de saneamento básico em prol da conservação e manutenção dos seus cursos d’água, nascentes e matas ciliares.

Até hoje já foram concluídos projetos para elaboração de Planos Municipais de Saneamento Básico (PMSB) em Itabirito, Sabará e Raposos.

Atualmente, três projetos estão em execução na Estação Ecológica de Fechos (EEF) e acontecem em paralelo. O primeiro consiste na elaboração de diagnóstico hidroambiental de nascentes, focos erosivos e áreas degradadas em área de influência hídrica nas microbacias dos Córregos Fechos, Tamanduá e Marumbé. O segundo compreende o projeto de comunicação social e mobilização social e comunitária em torno da importância hídrica e da expansão da unidade. Por último, o projeto ‘Por aqui passa um rio’ visa promover o reconhecimento e o pertencimento das comunidades nas bacias hidrográficas, em contextos diversificados de usos da água e ocupação do solo, utilizando como estratégia à educação e mobilização social.

Subcomitê Águas da Moeda

Os Subcomitês têm o objetivo de tornar o CBH Rio das Velhas mais próximo e atuante em cada Unidade Territorial Estratégica (UTE) da bacia. Assim, de forma coletiva e participativa, o Subcomitê discute maneiras de compatibilizar o equilíbrio ecológico com o desenvolvimento econômico e socioambiental do território.

Atuante de longa data na região, Bottrel conta que o Subcomitê Águas da Moeda foi criado a partir da união do Subcomitês Cardoso Cristais e Macacos. “Desde então, o Águas da Moeda apoiou e realizou diversos projetos com recursos vindos do Fhidro [Fundo de Recuperação, Proteção e Desenvolvimento Sustentável das Bacias Hidrográficas do Estado], Fapemig [Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de Minas Gerais] e editais de terceiros, além de iniciativas realizadas por voluntários, como as expedições de Diagnóstico Rápido nas bacias de Macacos, Marumbé e Boideiros”.

Simone Bottrel é coordenadora-geral do Subcomitê Águas da Moeda (à esquerda). Ribeirão Água Suja (à direita) recebe o esgoto de Nova Lima (à direita).

A coordenadora destacou ainda o importante histórico de atuação do colegiado. “O Subcomitê foi ainda inserido no Programa do Polo de Excelência do estado de Minas Gerais, em 2007, quando foi montada uma sala do Subcomitê no Parque Estadual do Rola Moça e uma sala de mediação de conflito, a primeira do gênero no país, na Faculdade Milton Campos – a sala se tornou referência e o Programa contemplou ainda a manutenção da primeira equipe de mobilização do Subcomitê. A UFOP [Universidade Federal de Ouro Preto] pesquisou sobre questões de conflito e remediação na bacia de Macacos. Houve também diversos cursos sobre mediação de conflitos e gestão de recursos hídricos disponibilizados pelo Subcomitê Macacos para todos os demais Subcomitês e Comitês. O Subcomitê, por seu protagonismo, realizou ainda neste programa palestra sobre gestão inovadora em Microbacias no Fórum Nacional de Bacia Hidrográficas”, citou Bottrel.

O Subcomitê Águas da Moeda foi instituído e vinculado ao CBH Rio das Velhas em 12 de maio de 2006.

 

Assessoria de Comunicação CBH Rio das Velhas:
TantoExpresso Comunicação e Mobilização Social
*Texto: Luiz Ribeiro e Luiza Baggio
*Fotos: Léo Boi/Michelle Parron/Ohana Padilha/Robson Oliveira

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