CBH Rio das Velhas pede ao IGAM que declare conflito pelo uso de recursos hídricos em três pontos da bacia, incluindo a região que abastece metade da Grande BH.

O Rio das Velhas cumpre um papel fundamental no abastecimento de água da população da bacia. Sozinho ele é responsável pelo que chega às torneiras de mais de 60% da população da capital e de 50% dos mais de 5 milhões de habitantes da Região Metropolitana de Belo Horizonte (RMBH). Também vem do rio as águas que irrigam lavouras, viabilizam atividades industriais, beneficiam minérios e outros múltiplos usos bacia afora.

Mas uma situação de superexploração e vulnerabilidade liga o alerta para o risco de problemas futuros. Preocupado com a situação, o Comitê da Bacia Hidrográfica do Rio das Velhas (CBH Rio das Velhas) solicitou ao Instituto Mineiro de Gestão das Águas (IGAM), no final de 2018, que declare como áreas de conflito pelo uso de recursos hídricos três pontos da bacia: o Alto Rio das Velhas, que produz a água que chega à RMBH, e as Unidades Territoriais Estratégicas (UTEs) Rio Bicudo e Ribeirão Picão, no Médio e Baixo Rio das Velhas.

O instrumento, utilizado em bacias onde se verifica que a disponibilidade hídrica é menor que a demanda dos usuários, determina a elaboração de um processo único de outorga que contemple a alocação negociada da água entre os outorgados. “Estamos explicitando que há dificuldade para que o rio consiga atender a todos. Ele não pode atender só a uma cidade. São 800 quilômetros de extensão e, por isso, é preciso continuar tendo vazão na sequência, para manter a capacidade de abastecimento de outros municípios e garantir usos múltiplos das águas. A gestão do conflito deve ser muito mais compartilhada e as outorgas mais limitadas e conscientes, para preservar as áreas de produção”, explicou o presidente do CBH Rio das Velhas, Marcus Vinícius Polignano.

A solicitação de declaração de conflito foi motivada por um estudo encomendado pelo Comitê que analisou os usos de recursos hídricos sobre as vazões disponíveis em toda a bacia. Por meio do levantamento de usuários de água e dos usos outorgados, o trabalho concluiu que a demanda concedida pelo Estado excede a oferta de água do rio em mais de 500% na UTE Rio Bicudo, em quase 300% na UTE Ribeirão Picão e em 59% na região do Alto Rio das Velhas. “O Comitê tem alguns instrumentos de gestão e um deles é garantir a quantidade e a qualidade da água. Para isso, é preciso entender se a oferta é suficiente para a demanda. Quando esses dois itens não batem, com uma demanda superior à oferta, inevitavelmente há um problema de gestão e de conflito pelo uso da água”, complementou Polignano.

* Dados coletados do estudo de análise de influência dos usos de recursos hídricos sobre as vazões disponíveis na bacia do Rio das Velhas, encomendado pelo CBH Rio das Velhas e desenvolvido pela Irriplan Engenharia

 

Com a medida, o Comitê espera que o IGAM utilize critérios de outorga mais restritivos, considerando a emissão de autorizações de uso de forma sazonal e outorgas coletivas, que implante e utilize reservatórios fora do eixo dos cursos de água (offstream), que aprimore o sistema de controle de perdas de água para o abastecimento público, que amplie as estruturas verdes ao longo da bacia e que estabeleça medidas que induzam a maior eficiência nos usos da água pelos diversos setores, com o estabelecimento de índices de uso racional a serem seguidos para que possam ser emitidas novas outorgas.

Presidente da Câmara Técnica de Outorga e Cobrança (CTOC) do Comitê, o geógrafo e doutor em análise ambiental, Rodrigo Lemos, lembrou que o Plano Diretor de Recursos Hídricos da Bacia Hidrográfica do Rio das Velhas apresenta, em projeções para 2035, que a vazão demandada na região do Alto, por exemplo, será superior ao chamado Q7-10 [coeficiente adotado como referência para concessão das outorgas e também para definição da situação hídrica em Minas, considerando a vazão mínima de sete dias consecutivos com período de recorrência de dez anos]. “Exatamente por isso que precisamos criar arranjos em estruturas normativas que permitam e deem essa resposta. Declaração de Áreas de Conflito não é falar que vai parar com tudo; é reconhecer que a demanda é maior que oferta e que a gente está caminhando para situações futuras que são extremamente desconfortáveis e que podem gerar sérias limitações econômicas, significativos impactos sociais e danos ambientais irremediáveis”, falou.

Sem medidas de preservação, o risco é a RMBH ficar sem água a longo prazo e, a curto prazo, reviver a crise hídrica de 2014, quando os reservatórios chegaram a níveis críticos por falta de chuva.“O Alto Velhas, no período de estiagem, entre julho e outubro, tem uma vazão que chega à casa dos 10 metros cúbicos por segundo [m³/s]. Só a Copasa [Companhia de Saneamento de Minas Gerais] retira 6,5m³/s. A mineração, mais 1 m³/s. Logo, são 70% a 75% daquilo que o rio tem”, disse Polignano. “Do ponto de vista de equilíbrio e vazão do rio, só poderíamos retirar 30%, ou seja, 3 m³/s. Estamos invertendo a lógica: tirando cerca de 70% e deixando 30%”, complementou.

No Alto Rio das Velhas, 82% das vazões outorgadas são para abastecimento público, sendo a captação da Copasa no Sistema de Bela Fama, em Nova Lima, a maior outorga concedida no estado. O presidente do CBH Rio das Velhas ressaltou, no entanto, que a discussão não visa diminuir a captação da Copasa. “Belo Horizonte precisa dessa água. Hoje, a capital é abastecida por duas cabeceiras de rio: uma é do Velhas e a outra do Paraopeba. Queremos dizer é que estamos em uma fragilidade muito grande e a não preservação desses locais pode implicar risco grande para a capital”.

Com a medida, o Comitê espera que o IGAM utilize critérios de outorga mais restritivos no Alto Rio das Velhas e UTEs Ribeirão Picão e Rio Bicudo (à esquerda). Presidente da CTOC do Comitê, Rodrigo Lemos defende declaração de conflito pelo uso da água (à direita). 

O que diz o IGAM

O IGAM elaborou nota técnica sobre a solicitação do CBH Rio das Velhas. Segundo o órgão, a análise dos dados de uso de água, situados nas UTEs do Rio Bicudo e do Ribeirão Picão, demonstraram que a vazão atualmente outorgada ainda é inferior ao limite outorgável, portanto, não apresentam os critérios necessários para a emissão da Declaração de Área de Conflito. Entretanto, uma avaliação histórica de vazões demonstra, de acordo com o IGAM, a ocorrência de Situação Crítica de Escassez Hídrica nas porções avaliadas, conforme estabelecido na Deliberação Normativa CERH 49/2015.

O IGAM ressalta ainda que a Situação Crítica de Escassez Hídrica difere de Declaração de Área de Conflito pelo Uso da Água, sendo que a Situação de Escassez está relacionada com a vazão hídrica monitorada diariamente em um curso de água e a DAC, por sua vez, encontra-se associada com a demanda e a disponibilidade hídrica (limite outorgável) de uma bacia.

No caso da região do Alto Rio das Velhas, as análises realizadas indicam, segundo o IGAM, que as captações outorgadas superam o limite outorgável, no entanto, como há uma preponderância das captações para o abastecimento público, a situação está em conformidade com a excepcionalidade estabelecida no artigo 3º da Resolução Conjunta SEMAD/IGAM nº1548/2012.

Com isso, a análise do órgão ambiental é que não está configurada uma situação de conflito e nem condições extremas de redução de vazões, o que pode ser corroborado pela avaliação dos últimos anos de série histórica na Estação Fluviométrica de Honório Bicalho. No entanto, o instituto afirma que permanece realizando o monitoramento hidrometeorológico e que se for configurada uma situação crítica de escassez poderá impor restrições de usos de recursos hídricos a fim de minimizar o risco de atendimento a usos prioritários estabelecidos.

 

Assessoria de Comunicação CBH Rio das Velhas:
TantoExpresso Comunicação e Mobilização Social
Texto: Luiz Ribeiro
Fotos: Bianca Aun, Léo Boi e Ohana Padilha

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